(…) Seguiu-se depois uma cena horrível de confusão e desordem; uns gritavam, outros queriam fugir, mas com a pressa iam de encontro aos diversos grupos e mesas carregadas de copos e garrafas; ouviam-se, de uns os gritos de susto, de outros os brados de admiração, nestes a dor, naqueles o desespero. Era uma vozearia infernal, era um tumulto espantoso. Eu porém continuava impelido por uma força sobrenatural, por uma sede horrível de vingança.
Em breve senti vozes próximas e ameaçadoras em torno a mim, e uma pancada violenta ferir-me o braço esquerdo.
Olhei; seis ou oito homens, os amigos e sócios do miserável a quem eu acabava de castigar, armados todos de paus, preparavam-se para tomar a desforra dele.
Estava só, mas fugir… oh! fugir… um homem, um soldado !… nunca… era impossível… Dei um pulo a retaguarda e lancei mão do meu pau.
Ilustração de Tiago Ramos
Principiou então uma luta renhida, muda e desesperada. Eram oito… eram oito, os cobardes!…
Atacado ao mesmo tempo por todos os lados, com o braço esquerdo quase deslocado pela primeira pancada, com a cabeça e as mãos ensanguentadas, sustentava uma luta de morte. Não se ouvia mais do que as queixas de um, as interjeições da raiva de outro, e o som áspero e seco do pau sobre o pau, aparando as pancadas rápidas e violentas.
Não sei o que há em uma luta assim; parece que as atitudes ameaçadoras dos combatentes, as vociferações os gemidos produziu tudo uma impressão tão nova em mim, que me sentia como arrastado, embriagado por ela. As forças redobravam-me e eu continuava senhor do campo. Alguns dos meus adversários tinham mordido o terreno; mais de uma vez os bordões de outros se haviam partido sob a pressão do meu, que, vergando-se todo, ia cair por fim sobre as carnes maceradas deles. A cada momento que os repelia voltavam mais desesperados e terríveis, mas uma luta assim não podia continuar; o suor escorria-me já ás bagadas pelo corpo e eu ia cedendo. Havia meia hora segura que nos batíamos.
Ouvimos então o alarido de muitas vezes, que se aproximavam; a luz de alguns fachos nos envolveu a todos ; chegavam as autoridades e cabos de policia.
Os meus adversários fugiram todos, porque talvez fossem ainda outras e mais difíceis as contas, que teriam a ajustar com a policia, e eu achei-me só. (…)
A. F. de Loureiro em “Archivo universal, Volume 3” (1860)