Um dia, porém, uns marinheiros americanos, de passeio, deram cabo daquela felicidade. Entraram, começara, a carregar no Porto, embebedaram-se, e ás tantas insultaram o minhoto. Sem saberem, coitados, que o Pereira, além de ser bom cozinheiro, sabia jogar o pau. Quando o viram surgir de cacete na mão, os do mar, fiados nas leis do boxe e na musculatura yankee, riram-se. Mas o Pereira cerrou-lhes os lábios duma assentada. Salta para o meio deles, malha daqui, torce dali, parecia que estava a varrer a festa de S. Bento da porta Aberta. Em menos de um fósforo tinha a casa limpa.
(…) E, como aparecessem novamente marujos americanos, o alentejano tentou apaziguar os ânimos, não consentindo que o Pereira arredasse pé das caçarolas. Mas os do Tio Sam vinham com ela fisgada. Queriam vingar os camaradas. E tanto disseram, tanto provocaram, que em dado momento o Senhor Ventura perdeu a cabeça e gritou lá para dentro: – Ó Pereira, anda aqui dar uma ajuda! – Caiu o Carmo e a Trindade. Um da direita e o outro da esquerda, ás cacetadas a eles, não deixaram cabeça sem sangue nem garrafa inteira.
“O senhor Ventura”, Miguel Torga, 1943 excerto em “O jogo do Pau em Portugal: processos de mudança”, Rui Simões, 1990.