Frederico Martins
Uma espécie de jogo do pau
Como curiosidade, antigamente, numa altura em que em Portugal se conhecia melhor a cultura portuguesa do que a estrangeira, explicavam-se as artes marciais orientais, referindo-se às nossas, para o publico ter uma ideia do que se tratava. Hoje em dia é ao contrário, para se explicar o que é o jogo do pau num artigo para o publico em geral, tem sempre que se aludir a artes marciais oriundas do outro lado do mundo para o publico perceber que não se trata de um jogo ou dança. Para explicar o que é nosso, temos que dar a volta ao mundo, quando deveria bastar olhar para o lado.
“Os marinheiros japoneses não respiravam no decurso da lição de gymnastica, muitos apresentavam o lypo abdominal e comprimiam o ventre com um cinto de lona, (relatório do dr. Tissié). São o jiu jitsu e o smó os exercícios mais apreciados por aquele povo oriental, e ensinados aos estudantes, exercito, marinha e policia especialmente o 1.°, sendo também praticado o Kan jitsu, especie de jogo de pau que vem dos tempos antigos.”
Diário Ilustrado – 1910
Jogo do pau em Cabeceiras de Basto – 1975 – Mestre António Portela
Cabeceiras de Basto em 1975 – O Povo e a Música – RTP
Entrevistadora – Sr. Portela, o Sr. é um mestre do jogo do pau, eu queria que nos falasse um pouco da sua vida como jogador de pau e daquilo que poderão ainda fazer por aqueles que ainda não conhecem e poderão vir a conhecer e a conservar este jogo.
M. Portela – Eu comecei a jogar ao pau tinha 14 anos, depois fui passando, (..) ao meu pai, com o Calado com o Mendes. eu fugi ali e fomos jogar. Depois fomos para Braga. Aos 16 anos fui para a tropa, voluntário, e depois, também tinha lá o jogo do pau e eu ia sempre assistir ao jogo do pau deles, depois vim de lá e continuei a jogar, Corri tudo por ai a baixo, fui a Lisboa uma 3 vezes, joguei no Ateneu Comercial, joguei no Barreiro, e tenho um livro onde veio a minha figura e gostei muito. Os rapazes do Barreiro e do Ateneu Comercial vieram cá e eu não aceitei o convite que me fizeram, porque as consequências da vida não o permitiram. Eu continuo sempre a ser um adepto do jogo do pau, e estou velho, mas sempre pronto para aquilo que se puder fazer sobre o jogo do pau.
Entrevistadora – Portanto poderá ensinar aos novos o jogo do pau.
M. Portela – Ensino aquilo que tiver nas minhas possibilidades, estou sempre pronto e com riscos até da minha vida da saúde e de tudo, continuo e gosto disto!
O Jogo do Pau – Desportos Revista – 1983 (4/4)
IMPORTÂNCIA DO JOGO DO PAU COMO ACTIVIDADE PSICO—MOTORA E SEU VALOR EDUCATIVO
Sob o ponto de vista de actividade de carácter psicológico,o jogo do pau encerra em si extraordinárias possibilidades, e da sua prática de carácter técnica se pode, desde já focar o desenvolvimento da coordenação motora; a alusão empírica dos antigos mestres de que «olho vê, o pé anda e o pau bate» refere uma atitude conjunta do aproveitamento dos recursos anatómicos e fisiológicos; a existência dum objecto exterior,cujo maneio implica grande destreza, envolve um melhoramento de capacidade de percepção e consequentemente, uma melhoria da própria consciência do corpo.
Os diferentes ritmos a que a prática sujeita, nos seus esquemas tradicionais de treino, são tema de situações e períodos de dispêndio de energia que se enquadram, quer no trabalho dito de endurance, aeróbico, entre as 120/140 pulsações/minuto e que se encontra nas execuções de aperfeiçoamento técnico, de intensidade moderada, quer no trabalho dito de resistência, anaeróbico, entre as 140/180pulsações/minuto, e que se encontram nos períodos de maior intensidade, caso de combate ou do treino mais intenso; desta forma se adquire também controlo respiratório e melhoria na capacidade de recuperação.
Da prática se desenvolve o equilíbrio dinâmico, o que se associa a correcção de hábitos posturais, bem como a relaxação, linhas mestras de eficácia de execução; há ainda que considerar que a execução, de um caracter rítmico, nos esquemas técnicos de base, correspondem a um melhoramento analítico dos movimentos, que, pela sua natural correcção, visto serem originados por respostas intuitivas às solicitações surgidas, virão a ser criadas durante o contra-jogo ou qualquer outro tipo de jogo; como em outra qualquer técnica de combate, nota-se um desenvolvimento aturado da percepção psico-cinética, elemento que, associado aos restantes, contribui para uma melhoria geral do esquema corporal.
No tocante ao desenvolvimento da potência o trabalho incide essencialmente na execução em velocidade, se bem que, com determinados intuitos específicos, haja vantagens na utilização de cargas superiores para aperfeiçoamento técnico.
Note-se que, não sendo o jogo do pau uma técnica de oposição directa, não é óbice o peso, a força, a idade, (caso corrente o jogador encontrar a sua melhor forma entre os 30 e 50 anos) ou o sexo: existem actualmente diversas raparigas a praticar principalmente na escola do Poceirão, (concelho de Palmela) do mestre Custódio Neves.
Não deve, no entanto, o jogo de pau deixar de estar inserido em esquemas de treino mais vastos, e consequentemente em simbiose com as leis da programação e metodologia de treino,que, sendo correctamente definidas, não vêm, como se verifica, dissocia-lo das suas características fundamentais.
Sob o plano psico-sociológico,o jogo de pau é de um extraordinário valor educativo, visto que é solicitado quer o esforço individual, quer em oposição a um ou mais adversários (treino,contra-jogo, jogo de um para dois, de um para três, do meio,etc.) quer em esforço coordenado com o de outros, em jogos de grupo contra grupos, jogo de quadrado, da cruz, etc. campos que reflectem os aspectos multi-facetados da sociedade em que vivemos, sendo ao mesmo tempo uma escola de desenvolvimento das qualidades pessoais e sociais. O carácter extraordinário de modalidade que busca o constante aperfeiçoamento, é corolário
daquilo que o jogo de pau representa como ARTE TRADICIONAL PORTUGUESA,que na sua pureza, traduz uma maior integração na cultura nacional, bem como a adeitação e manutenção de uma legítima herança.
É pois, necessário não deixar morrer esta arte, este desporto tipicamente nacional. A todos os bons portugueses se lança este alerta, muito especialmente aqueles que gostam de exercício físico em geral e também a todos aqueles que têm a cargo a difusão do desporto no nosso país.
O apoio tão necessário como merecido às escolas já existentes, a criação de novas escolas a nível nacional, a maior difusão da modalidade nas camadas jovens, a realização de encontros inter-escolas e regionais como também a criação bem orientada de um ambiente leal e desportivo pode ainda permitir e contribuir para que este jogo possa, sem perder o espírito bem português que o criou e o caracteriza, acompanhar a evolução dos tempos e ocupar na terra onde nasceu o lugar que bem merece.
Algo para varrer
A varrimenta é o movimento base do jogo do pau contra vários adversários, é tão fundamental que no livro de Joaquim Ferreira “Arte do jogo do pau”, do século XIX, quase todas as pancadas são “varrimentos” ou “sacudires”. Mas além de um nome característico e genérico, esta designação de alto valor simbólico acarreta uma série de funções sem as quais a sua denominação não só não faz sentido, como perde toda a carga histórica, natural da sua origem bucólica. Este nome não surge por acaso, mas sim, mesmo sendo uma designação metafórica, como a mais simples e utilitária descrição do objetivo desta ação.
E o objetivo é muito simplesmente o de varrer tudo o que apareça na frente, a varrimenta serve assim de pancada, como defesa de outra pancada, ou pancada direta para bater. No caso de nos vir a alcançar uma pancada, ela serve como defesa, varrendo a vara adversária. No entanto, não se trata de uma normal defesa que fique bloqueada, mas sim numa defesa que varre a pancada do adversário e continua seu caminho incólume, só assim poderá ser uma varrimenta. Tal como uma vassoura não é travada nem desviada pelo peso do pó que varre, também uma varrimenta no jogo do pau não deve parar nem ser desviada, mas sim persistir na sua trajetória, mesmo no caso de embater contra outra forte pancada.
Esse varrer não é no entanto, feito com força bruta, nem com a utilização de um “braço” maior na alavanca da pega da vara, mas sim com a rotação imprimida na vara com o auxilio da rotação de todo o corpo. No primeiro caso, utilizando força de braço, não só mais rapidamente o jogador cercado de adversários se cansaria desses músculos específicos em ataques que têm que ser necessariamente contínuos e à máxima velocidade, como a técnica só funcionaria para jogadores fortes de braço, no entanto, com a utilização correta da técnica, mesmo um jogador não tão forte fisicamente, consegue imprimir o peso do seu corpo na vara, podendo assim varrer com uma força que não lhe seria possível apenas com o músculo de um braço menos desenvolvido. No caso de se utilizar uma alavanca de braço maior, para varrer, afastando as mãos, isso também dificultaria a utilização do corpo na pancada, impossibilitaria a ação de atirar o pau, que faz com que naturalmente e sem grande esforço este ganhe velocidade, como também, e o que seria provavelmente o pior, perderia um alcance significativo, que é vital manter, quando cercado de adversários.
É importante que, quando funcionando como defesa, a pancada do adversário seja realmente varrida, pois, estando numa situação de inferioridade numérica, qualquer ação que atrase o segundo ataque do adversário, dá-nos uma pequena abertura, em termos de tempo e espaço, para pelo menos podermos resistir mais algum tempo. Esse desequilibro no adversário, causado pelo varrer da vara, da-nos a nós tempo e abre caminho para fazermos um segundo ataque, que deve obrigar o adversário a recuar um passo na defesa. Se não cumprirmos pelo menos o objetivo de obrigar o adversário a recuar, então, inevitavelmente ficaremos sem espaço, o que com um adversário pela frente e outro pelas costas, é uma posição que rapidamente se torna impossível de gerir.
A varrimenta, assim, para cumprir a sua função, não deve só varrer a vara do adversário, mas indiretamente também o próprio adversário, obrigando-o a recuar. Isto é tão mais crucial quanto maior for a quantidade de adversários que nos cerquem.
Ao treinar da forma tradicional, com varas de madeira, é obviamente muito perigoso fazê-lo com os adversários de fora a atacar, pelo que seria facílimo haverem acidentes, no entanto, é essencial treinar com os adversários a pelo menos darem o pau a bater, pressionando com a distancia e reagindo aos movimentos e ataques do jogador. Este tipo de treino, embora não sendo combate real, é o que possibilita um treino em que o foco é pancadas que varram “algo”, pois assim há um objetivo e há realmente uma ação-reação da parte de todos os envolvidos, objetivo este que permite manter viva este tipo de prática, cujo objectivo não é especificamente um individuo vencer outros dez mas sim conseguir gerir durante o maior tempo possível os seus vários adversários, finalizando algum deles apenas na ocorrência de uma oportunidade, mas que não o desvie do objetivo principal de se manter intocado por todos os outros.
Exames para faixa Verde no Ateneu Comercial de Lisboa em 1974
Exames para faixa Verde de Pedro Lucas e José Santos no Ateneu Comercial de Lisboa em 1974 com faixas entregues por mestre Pedro Ferreira.
Jogo do pau examination under master Pedro Ferreira
Fases de exibição da escola de Poceirão do mestre Custódio das Neves em 1975
EN: Exhibition from the school of Poceirão, Portugal, by master Custódio das Neves.
O Jogo do Pau – Desportos Revista – 1983 (3/4)
Desenvolvimento da técnica:
A) «CONTRA JOGO»:
Jogo (COMBATE) em que se opõem apenas dois jogadores.
B) «SÉRIES DE JOGO»:
Formas de treino individual em que o jogador simula um combate imaginário apenas contra um único adversário.
C) «JOGOS DE CONJUNTO»:
Jogos em que um ou dois jogadores enfrentam sempre um número superior de atacantes, dos quais aprendem a defender-se mediante um trabalho especifico do pau coordenado com movimentos de pernas adaptados às diferentes situações do combate. Aqui estão incluídos o «JOGO DE DOIS EM FRENTE» (um jogador enfrenta dois adversários), «O JOGO DE TRÊS EM FRENTE» (um jogador enfrenta três adversários),«O JOGO DO MEIO OU DA RODA» (um ou dois jogadores enfrentam um grande número de adversários. No caso de serem dois jogadores contra vários, usa-se uma técnica chamada «costas contra costas»).
Também incluído nestes «jogos de conjunto» há o treino individual que é feito através de vários conjuntos de formas de combate em que o jogador simula um combate imaginário contra vários adversários que segundo estas diferentes «formas» estarão colocados em diversos ângulos de ataque. Aqui estão incluídos os chamados «JOGOS DE CRUZ», «JOGO DOS VARRlMENTOS», «JOGOS DE QUADRADO», etc.
COMPETIÇÃO:
A competição incide unicamente sobre o «CONTRA JOGO» que como já foi referido é aquele em que se opõem apenas dois adversários jogando o chamado «JOGO LIVRE» no qual ambos podem empregar todo os recursos técnicos que possuem, sendo no entanto obrigatório controlar as pancadas.
A competição é feita numa circunferência com 3 metros de raio riscada no chão e será declarado vencido o jogador que precisar pisar fora desta, uma ou mais vezes.
Será desclassificado o jogador que não controlar as pancadas, ou ainda aquele que fazendo defesas imperfeitas, procurar atacar sem atender às boas regras da dita defesa. Este tipo de competição está já desatualizado e brevemente (em Outubro ou Novembro próximos) Será substituído por outro tipo de competição mais real mas sem qualquer perigo, uma vez que esta será feita com proteções apropriadas. As regras desta nova competição serão divulgadas oportunamente.
MATERIAL UTILIZADO:
Paus direitos e lisos de madeira de «Lodon» (CELTIS AUSTRALIS LINEU), que são paus típicos ou qualquer outra madeira que não seja excessivamente pesada, mas resistente, e que seja suficientemente flexível (não de mais) e macia (não deve transmitir vibrações das pancadas às mãos de quem as segura), como por ex.: CASTANHEIRO, CARVALHO,FREIXO, MARMELEIRO, etc…
Para jogadores adultos do sexo masculino, os Paus (ou varas) devem medir 1,60m e pesar cerca de 600g. Se os jogadores forem também adultos mas do sexo feminino, a medida dos paus manter-se-á sensivelmente na mesma, mas o peso não deverá exceder as 400g. Para jovens e crianças, tanto o peso como a medida deverão ser proporcionais à idade e ajtura do jogador. Para a generalidade dos casos, todos os paus para este jogo deverão ser ligeiramente mais grossos numa das extremidades (a que bate) do que na outra (onde se pega).
LOCAL:
Qualquer local plano com uma área mínima de seis metros por oito (ginásios, campos de ténis, campos relvados, terra batida, areia da praia, etc.), sendo muito agradável jogar ao ar livre.
PARTICIPANTES:
Todas as idades, ambos os sexos. Para a competição é necessário também a participação mínima de um Juiz que normalmente é um mestre ou um instrutor escolhido também pelos mestres.
Nota Histórica – Jogo do pau no Ginásio Clube Figueirense no início do séc. XX
Do lawn tennis e do criquet não encontramos vestígios da sua prática no Ginásio, no que aos outros jogos diz respeito, apenas encontramos referências à prática da patinagem aquando dos saraus ginásticos e do jogo do pau. Este último, no dizer de J. Andrade, divulgou-se no clube por volta de 1906-1907, tendo como instrutor Albano Cabral de Moura. Contudo, os vestígios desta modalidade, ligada aos jogos tradicionais portugueses, são bastante pobres. Os únicos factos dignos de nota, segundo o autor acima citado, eram as aulas “que ficaram na recordação dos seus alunos, pelo arrojo e violências empregues […], podendo mesmo, alguns, classificar-se de casos sérios”.
Manuel Cid – Distinto mestre de armas e jogador de pau
Manuel Cid, além do seu conhecido trabalho como mestre de armas, ensinava também a esgrima de pau, chegando a realizar assaltos de pau em conjunto com os das outras armas da esgrima em demonstrações publicas, inclusive no estrangeiro. Foi também professor de jogo do pau de Isidoro Correia Gomes, segundo mestre do Ateneu Comercial de Lisboa.
- “O Tiro Civil” nº 238 – 1902
- “Diário Ilustrado” – 2 de Maio de 1891
- “Jogo do pau (Esgrima Nacional)” – António Nunes Caçador, 1963
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“Diário Ilustrado” – 29 de Novembro de 1891
” Academia de estudos Livres – todas as segundas quartas e sextas feiras o sr. M. Cid ensina a esgrima do florete, sabre e pau, na academia d’armas.”
- “Diário Ilustrado” – 2 de Maio de 1889
Manuel Cid chegou do estrangeiro, o estimado professor d’armas dos corpos de guarnição de Lisboa (…) O sr. Cid foi a França, por convite particular, assistir a um congresso de esgrimistas. O sr. Manuel Cid viu o que havia de melhor nas escolas francezas de esgrima, civis e militares, tendo occasião de se fazer applaudir nos seus exercicios de sabre, florete, e pau. O Journal da “l’Academie d’Armes” registou os méritos do sr. Cid. - “L’Escrime Française” – 12 Juilliet 1902
Nous apprenons la mort du maître d’arme portugais Manuel Cid(…) Il etait haut, 1m. 87, brun, grande chevelure et barbiche noire. Bâti en athlète, possédant une force bien travaillée. Très connu ici et très estimé. Chasseur enragé, il était aussi professeur de bâton qu’il maniait avec une vraie connaissance et une supériorité écrasante.
EN: Fencing master Manuel Cid, died in 1902, he used to teach fencing classes alongside jogo do pau, in the “Academia de Estudos Livres” he taught foil, saber and staff fencing, and did public exhibitions of fencing including assaults of jogo do pau, including one in France in 1889.