em verso
(…)
Quer larápios refinados,
que tenham ostentação;
homem de muito dinheiro,
que importa seja ladrão.
Fale bem, tenha palavra,
seja muito… eloquente…
embora não diga nada,
tem um culto reverente.
Mas o pior desta lesta,
este é o meu desconsolo,
os pobres roem as cascas,
os maraus papam miolo…
Os pobres vivem famintos,
quasi sem pão, nem camisa,
outros em risos e festas
sua existência desliza.
Só nos resta a pele e o osso
neste jogo malabar,
oh! que artistas tão distintos,
ninguém os pôde igualar!
Mas quando virá um dia
a terminar esta farsa?
Jogador de pau valente
para varrer uma praça?
Quando surgirá um braço
cheio de força e de orgulho,
empunhando com denodo
o mais famoso estadulho?!
(…)
Caricatura de Arthur dos Santos – 1903
Tiro Civil nº 251 de 15 de Janeiro de 1903
A Pátria – Guerra Junqueiro
Tive castellos, fortalezas pelo mundo…
Não tenho casa, não tenho pão!…
Tive navios… milhões de frotas… Mar profundo,
Onde é que estão?… onde é que estão?!…
Tive uma espada… Ah, como um raio, ardia, ardia
Na minha mão!…
Quem m’a levou? quem m’a trocou, quando eu dormia.
Por um bordão ?!…
E tive um nome… um nome grande… e clamo e clamo.
Que expiação!
A perguntar, a perguntar como me chamo!…
Como me chamo?… Como me chamo ?…
Ai! não me lembro!… perdi o nome na escuridão!…
(…)
E eu desatei a rir, eu desatei a rir,
E três dias cantei com mais três noites a seguir!
Não dormia a rainha de me ouvir cantar…
Oh, loucura minha, desventura minha!
Cantigas são graças para não chorar…
Mandou-me prender, mandou-me enforcar.
Chegaram as tropas e eu, desarmado,
Zás! desbaratei-as com o meu cajado!
E puz-me a cantar! e puz-me a cantar!
Tremendo, a rainha disse então ao rei:
Emquanto o não matem não descançarei.
Com teus cavalleiros vae-m’o tu buscar,
Traz-m’o aqui de rastros para o degolar.
Veio o rei á frente d’um grande estadão,
Zás! desbaratei-o com o meu bordão!
É de temer, é de temer
Um doido varrido com um pau na mão!…
E sempre a cantar! e sempre a cantar!
“A Pátria” – Guerra Junqueiro, 1896
Grande amigo
«é grande amigo
«Aquele que se expõe à cacheirada
«Para livre me ver dalgum perigo!»
“Poesias” José Ignacio de Araujo, 1862
Ora, senhores,
Fui eu só contra trinta
E cá só com o meu cajado
Pois senhores dei-lhe tantas
Que os levou o diabo.
E elles todos armados
De fouces e de forcados.
Mas assim que se viram
Com as cabeças rachadas
E os hombros deslocados
Fugiram todos
Que os levou os diabos.
Barão de Espalha Brasas
“É Fafe povoação muito moderna,
contando um séc ‘lo apenas de existência.
De Moreira de Rei foi subalterna
e sobre ela alcançou magna ascendência.Na terra decadente, em fruto avonde,
havia outr’ora um nobre, altivo e ousado;
De Moreira de Rei era Visconde,
político influente e Deputado.Homem franco e leal, de poucas tretas,
não ligava à coroa e aos brasões;
se o feriam, largava as etiquetas,
correndo o atrevido a bofetões.Nas Cortes, certo dia, a uma sessão
a tempo não chegou; e um tal Marquês,
supondo que o Visconde era vilão,
censurou-o em gesto descortês.O Visconde, que entrara pressuroso
inda ouviu do Marquês o insulso estilo
em que ele lhe chamava “cão tinhoso”,
mas sentou-se, fingindo-se tranquilo.Finda a sessão, ao Marquês petulante
a frase censurou, de audácia rara;
porém este, num gesto provocante,
arremessou-lhe a fina luva à cara.Ajustou-se o duelo; e competia
a escolha das armas ao Visconde.
Marcou-se p ‘ra o encontro a hora, o dia
e o local, que eu nunca soube aonde.Ocultos da polícia e dos meirinhos,
no sítio da pendência, o fidalgote
compareceu, assim como os padrinhos.
Veio o Visconde e um homem c ‘o um caixote…E dentro deste as armas escolhidas
pelo Visconde: as armas dos pataus!
Nem ‘spadas nem pistolas homicidas:
Eram dois resistentes varapaus!!!O Marquês, em tais armas logo inepto,
ao ver aqueles paus de marmeleiros,
forçado a aceitar o estranho repto
pegou por sua vez num dos fueiros.Começou a sessão de bordoada:
e o Visconde, com a mor placidez,
deu-lhe tanta e tão pouca fueirada
que o lombo pôs num feixe ao tal Marquês.Mau grado tudo ser gente de sizo,
os presentes, em vez de lamentar,
não conseguiram sufocar o riso,
findando o duelo em gargalhada alvar.Da hilariedade ao ver o desaforo,
acode gente; e além daquela gafe,
começam todos a gritar em coro;
“-Oh! Viva! Viva a Justiça de Fafe!!!”De Moreira de Rei, pois, ao Visconde,
do duelo a propósito descrito,
se deve a origem, que a História esconde,
do ventilado e tão estranho dito.”
“Barão de Espalha Brasas” – Inocêncio Carneiro de Sá
“Cravos de Papel”
Eugénio de Castro – 1922
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Por centenas ou até milhares de anos, o varapau serviu de defesa contra o lobo, mas hoje em dia, os papeis inverteram-se e o lobo precisa de ajuda.
É importante preservar-mos as nossas tradições, mas mais ainda a nossa fauna, que essa é provavelmente, ainda mais difícil de recuperar.
Logo nas mãos o pastor
Seu cajado tomara,
Sem mostrar nenhum temor
Contra os lobos que achará
Revestidos de rigor.
-“Trovas ineditas de Bandarra“ – 1556
Mais d’huma vez já tem sacado o agno
Ao Lobo tragador! mais de vez huma
Na luta entre os Zagaes de mór idade
Tem feito respeitar o seu Cajado,
Em que sabe fazer todo o manejo
D’arma, como faze-lo nunca eu soube!..
-“Silveira“ – Thomaz Antonio dos Santos e Silva -1809
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Chegou em fim a desejada festa,
Onde as nossas Pastoras se ajuntavão:
Já nos frescos lugares da floresta
Os valentes cajados se arvoravão:
Cada qual revolvia na memoria
A vantagem, o premio, a victoria.O sitio da contenda está patente;
Mas não se entende hum leve desafio:
Com razão se murmura, e toda a gente
Dos Pastores escusa o fraco brio.
Não pude soffrer mais: fui o primeiro;
Que saltei para o largo do terreiro.No meio com valor me exponho à lucta,
(Cuido que por Amor era animado)
O forte Jonio a gloria me disputa;
Mas depressa ficou no chão prostrado.
Altos, alegres vivas se entenderão
E hum malhado cordeiro então me derão.Pego nelle, e Themira procurando,
Themira, que mais bella do que a Aurora
Tinha estado tambem presenceando,
Aqui tens, gentilissima Pastora,
Lhe digo então, o premio, que pertence
A quem os corações domina, e vence.O pejo lhe circula a rubea face,
Fica mais linda, fica mais galante:
Mas antes que o cordeiro me acceitasse,
Vai consultar o parternal semblante.
Pegou nelle, e , baixando os olhos bellos,
Me agradece com termos mui singellos.(…)
O Mestre de Esgrima
Aquelle mulatão de ganforína
erriçáda e que lembra a carapinha
de um negro do Bihé — diz-me a visinha —
que é «bom vivant» e toca concertina.
Jogo do páo e do florête ensina!…
O figurão tem lábia, o «apomb» a linha!
Mas, por pagóde, um aio da Rainha
fez-lhe, uma vêz, presente de uma tina.
Vai ao palácio de um fidalgo á noute
dar-lhe lições de esgrima— E quem se afoute
a d’isto mal cuidar, dirão que é pêta…
Com os fidalgos ceia, joga, abanca.
E, emquanto améstra o esposo na arma branca,
— amestra a fidalguinha na arma preta.
“Mefistófeles em Lisboa” Gomes Leal – 1907