“Apontamentos Sobre Os Indígenas Selvagens da Nação Coroados dos Matos da Província do Rio Grande do Sul” Pierre F. A . Booth Mabilde
20.10 – USO DO VARAPAU – ARMA PREDILETA
O varapau é geralmente feito com pau de laranjeira do mato, com uma grossura variável e relativa ã força do indivíduo que dele se serve. Em geral tem uma, ou uma e três quartos de polegada, de diâmetro, por seis palmos, mais ou menos, de comprimento. O pau é todo liso e nunca nodoso – como alguém tem pretendido -, nunca feito com arte, sendo o pau sempre da grossura natural, tal qual é encontrado no mato, sendo apenas descascado.
O varapau é a arma predileta dos selvagens para seus combates no mato, pois reconhecem que, em algumas circunstâncias, as flechas propelidas com o arco não produzem tiro tão certo, devido à espessura da vegetação, na qual tocando a flecha, no seu curso, desvia-se muito da direção em que é propelida. Ser vem-se de flechas somente nos lugares campestres: sobre estradas ou caminhos e no campo. Fora disso, é geralmente o varapau de que se servem para brigar em lugares impedidos e, mesmo, nas suas incursões, é quase sempre o varapau que prevalece.
(Nota n.° 10) Embora sendo o varapau a arma predileta dos Coroados, nenhum exercicio fazem, nem nunca fizeram, para adquirir destreza com aquela arma, que só lhes serve para agredir e com a qual não sabem se defender. Servindo-nos de uma expressão trivial, diremos que os coroados, com o varapau nas mãos, só sabem malhar com ele ou, como é costume dizer, dar ‘pancadas de cego”. Tão destros como são em atirar com arco e flecha – o que desde a infância exercitarn -, entendem que o varapau, como arma, não está sujeito a um treino que permitisse utilizá-lo como arma defensiva. Entretanto, embora não sabendo usar o varapau como arma defensiva, acham que, estando com ele armados, ninguém existe capaz de, armado igualmente com um pau, com eles medir-se. Tal é a presunção que asseverarn isso como se fosse verdade incontestável, dando risadas quando se lhes contraria esta opinião que fazem de si mesmos e se surpreendem do atrevimento de alguém que lhes queira provar o contrário.
20.11 – LUTA COM VARAPAUS ENTRE MARINHEIRO PORTUGUÊS E ALGUNS COROADOS
Entre os homens que, de janeiro a julho de 1850, me acompanhavam nas matas, havia um português, Manoel José Pereira, que, durante vinte anos, tinha servido como marinheiro a bordo de um navio de guerra português. Tinha ele uma destreza extraordinária no manejo do pau, além da força muscular de que era dotado.
Ouvindo o intérprete dizer-me que os coroados armados com varapau não temiam pessoa alguma, deu umas risadas e pediu-me licença para dizer ao intérprete que ele queria experimentar se, estando armado com um pau, um daqueles coroados seria capaz de lhe chegar ao corpo com o seu varapau. Anuí ã experiência.
recomendando-lhe toda a prudência para não molestar o coroado que se prestasse para a luta. O intérprete comunicou aos coroados a intenção do marinheiro e logo dois se ofereceram para com ele medir-se, dando-lhe um de seus varapaus.
Colocou-se o marinheiro em guarda e deu ordem para que os dois coroados o atacassem, dando-lhes licença de darem com toda a sua força e em qualquer lugar do corpo, onde bem lhes parecesse melhor dirigir as pancadas. Os coroados, vendo a atitude de pouco caso que o marinheiro parecia fazer deles, olhavam um para o outro e se desfaziam em risos sardõnicos que davam a perceber o seu caráter mau, regozijando-se, de antemão, pelo extermínio do marinheiro, que lhes parecia certo conseguir. Entretanto. esse prazer feroz e ameaçador foi de pouca duração.
(…)marinheiro lhes dirigia a palavra ou passava entre eles, se via, claramente, o olhar inquieto e o respeito que lhe tributavam. Ofereciam-lhe logo pinhão ou outro qualquer fruto que tivessem à mão, coisa que nunca – a não ser comigo – tinham feito para quem quer que fosse que me acompanhasse.