Fisiologia do Varapau

Ramanho Ortigão, numa carta e em linguagem descontraída fala da “fisiologia do varapau”.


“(…)Eu vivi muito no campo e sou das pessoas mais entendidas na fisiologia dos varapaus. Em todas as aldeias se distinguem quatro marmeleiros capitais: o do administrador, o do regedor, o do boticário e o do mestre-escola. Cada um deles tem o seu tipo, a sua individualidade, o seu cunho moral.

Diz-me o marmeleiro que usas, dir-te-ei as manhas que tens.

Ora o seu marmeleiro desta noite, desargolado e torto, fez-me efeito da cousa mais aviltante e refece a que pode lançar a mão um homem que é ao mesmo tempo regedor e mestre-escola, representando-portanto simultâneamente no seio de uma paróquia a instrução e a ordem.

Um marmeleiro empenado, na dextra de um preceptor, é um agouro muitíssimo triste para a infância estudiosa. Um cerquinho torto, no punho de um regedor, inculca a tendência manifesta do espírito da autoridade para a parte do arrocho.

Há varapaus que são o vilipendio da moral, o escárnio da lei e a irrisão da sabedoria. Paus tortos, freguesia relassa.

Visite-me as terras morigeradas, aí verá os marmeleiros selectos, lustrosos, direitinhos, estonados, corados, argolados e polidos por mão cuidadosa e sábia.

Eu trouxe um cajado de cada uma das digressões que fiz a pé nas encantadoras aldeias da minha província natal. Cada um deles representa hoje para mim uma data querida. (…)”


Ramalho Ortigão 16 de Janeiro de 1871.