Francisco Farinha e Pedro Augusto da Silva

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N’essa noite da minha apresentação vi esgrimir muitos jogadores, mas as attenções concentraram-se todas nos dois últimos, que eram os seus mais notáveis discipulos.

Estão ambos mortos, mas um d’elles, Farinha, empregado na Alfandega, só tive o prazer de o vêr jogar duas vezes.

E digo prazer, porque é realmente um espectáculo extremamente agradável o de dois luctadores da mesma força, ostentando todos os seus recursos e os da arma que manejam, com a maior facilidade, certeza e elegância, nas posições e nos movimentos – jogando durante meia hora, sem um leve toque, e com os golpes apenas indicados pelo gesto! Isto, feito com o pau – arma pesada e d’alcance – ainda mais provoca e justifica a admiração.

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Francisco Farinha e Pedro Augusto da Silva

O outro contendor era Pedro Augusto da Silva — empregado no Ministério da Fazenda, o introductor e primeiro mestre d’esta esgrima no Gymnasio Club de Lisboa, onde deixou a tradição do mestre – e que foi, durante os últimos annos, o prévôt effectivo da escola de José Maria. Já se vê, portanto, que devia ser interessantissimo o prélio, em que os dois adversários se empenharam; sobretudo para mim, que nunca assistira áquelles assaltos, e que ao principio receiava a todo o momento vêr um braço quebrado ou uma cabeça partida!

Nada d’isso, porém, aconteceu, e quando elles, apontando os paus para a terra, fizeram as cortezias finaes e cumprimentaram a assembléa — esta applaudiu-os calorosamente. Ambos se tinham mostrado cortezes na lucta, rápidos e certeiros no ataque, previstos e firmes na defeza (…)

Discipulos do mesmo mestre, e ambos da mesma geração, representaram, no meu entender, os dois estylos, as duas maneiras d’esta esgrima. Farinha, uma cabeça antiga, com o cabello rente, a barba toda, e a expressão um tanto severa, era – se assim o podemos chamar- um clássico. Pedro Augusto, com o bigode negro, a cabelleira crescida, o olhar movel, e o gesto um pouco brincão, era romântico.

Aqui, como nas lettras, como em tudo, no estylo via-se o homem. O jogo de Farinha era académico, o de Pedro Augusto pendia para o pittoresco, era mais brincado, mais ligeiro, mais alegre. Assim devia ser, porque de todos os primeiros, que conheci, era elle o que dispunha de menos força physica, e então soccorria-se da agilidade, que, graças ao constante exercício, conservou até ao fim da vida. Era um pasmo vêr como elle, com muito mais de sessenta annos, fraco e achacado do peito, ainda saltava, na sala do Gymnasio, á compita com os seus discipulos, rapazes de dezoito e vinte annos! Para professor dar-lhe-ia eu a preferencia, mas n’um assalto, com um jury sério, o jogo de Farinha teria talvez maior numero de votos. Este era duma correcção absoluta, um verdadeiro primor d’arte todo o seu conjuncto! Um modelo raro, para a illustração d’um livro, d´um tratado especial! Que perfil o de toda a sua figura! que firmeza de posição, que rapidez, e que segurança nos movimentos, no avançar, no recuar, no ataque e na defeza! Annos depois tornei a vêl-o jogar — já doente — Farinha ainda era o mesmo impeccavel artista!

Dir-se-ia uma estatua em movimento, se a estatua podesse dar-nos a impressão real da vida!

Artigo do  “Diário da Manhã” em 1883
Incluido em “Lisboa Moderna” (1906)
-Zacarias d’Aça

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EN:

Two different staff fencers

In 3 articles about jogo do pau, published in 1883 in the newspaper “Diário da Manhã” and later, in 1906, in “Lisboa Moderna”, Zacharias d’Aça describes some of the jogo do pau masters and fencers of the 19th century in Lisbon, wich he meet and seen in “action”. In this translated fraction of the article he talks about Farinha and Pedro Augusto da Silva.

In that night of my presentation, I saw many players fencing, but the attentions gathered towards the last two, which were the most notable disciples.

They are both dead now, but one of them, Farinha, a Customs employee, I only had the pleasure of seeing him fence twice.

I say pleasure, because it’s really a very pleasant spectacle to see two fencers of the same strength, boasting all the resources they and the weapons have, with the greatest of ease, certainty and elegance, in the postures and movements – playing for half an hour without a light touch, with hits just indicated by the gesture! This, done with the staff – heavy weapon of long reach – further provokes and justifies admiration.

The other contender was Pedro Augusto da Silva – employee at the Ministry of Finance, the introducer and first staff fencing master of Gymnasio Club in Lisbon, where he kept the tradition of the master – and was during the last years, the Prevot of José Maria da Silveira’s school. By that we can have an idea of how interesting the contend would be, especially for me, who never attended those assaults before, at all time, I feared to see a broken arm or head!

None of this, however, happened, and when they, lowering the staffs point to the earth, made the final courtesies and greeted the assemblage – they were warmly applauded by the audience. Both had been courteous in battle, quick and accurate in the attack, confident and firm in the defense.

Disciples of the same master, and both of the same generation, they represented, in my understanding, the two styles, two ways of this fencing. Farinha, with short hair, a full beard, and somewhat stern expression, was – if we can say, a classic. Pedro Augusto, with a black mustache, long grown hair, a quick gaze, and more playful in his moves, was a romantic.

Here, as in the letters, as in all things, in the style we could see the man. The play of Farinha was academic, Pedro Augusto was more pittoresque, merrier, lighter, more cheerful. So it had to be, because of those I knew, he was the one with less physical strength, and had to compensate with agility, which, thanks to constant exercise, he retained until the end of his life. It was an amazement to see how he, with more than sixty years, with a weak and feeble chest, still jumped in the room of the Gymnasio, with his disciples, boys of eighteen and twenty years! For teacher, I would give him my preference, but an assault with a serious jury, the play of Farinha would perhaps collect the largest number of votes. His moves were absolutely correct, a true masterpiece in all his conjuct! A rare model, for Illustrating a book, a special treaty! What a profile, his entire figure! that firmness of posture, that speed and security in the movement, in advancing, in retreating, in attack and defense! Years later I’ve seen him fight again – already sick – Farinha was still the same impeccable artist!

Could call him a statue in movement, if a statue could give us an impression of real life!”

Zacharias d’Aça
“Diário da Manhã” (1883)
Included in “Lisboa Moderna” (1906)

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