Os caceteiros, eram homens pagos para bater noutros por motivos políticos. Não eram no entanto, guerreiros, como os clássicos mercenários, que davam a vida na batalha, mas cobardes, que a troco de dinheiro batiam em gente geralmente indefesa, com o objectivo de causar terror e calar os opositores de quem lhes pagava.
O caceteiro e o jogo do pau nada têm a ver, pois nunca se conta historia de um caceteiro a lutar bem com a o seu cacete, pois bater em alguém desarmado nada custa, não requer arte, e o jogador de pau, tem sempre um adversário à altura, com quem se debate de igual para igual, ou mesmo contra vários adversários.“A honra exigia um combate frontal, de homens que se olhavam e mediam nos olhos”
Várias são as histórias na literatura que nos contam a honra do lutador de pau, que não ataca quem não trás vara, que defende o seu próprio adversário quando este mostra valor, por isso, vamos aqui defender os valores do “puxador” português, contrastando-o com a cobardia de alguém que simplesmente bate com um cacete.
E para que tal não se perca da memória, e que se continue a praticar o jogo do pau como arte de combate, e não de cacetada, fica aqui uma antiga mas boa explicação do que é o caceteiro.
“Caceteiros miguelistas a confrontarem homens desarmados”
“Digam lá o que quiserem políticos, e casuístas, que é tudo quase a mesma raça, escrevam quanto lhe lembrar os jornalistas, e os que o não são, ralhem muito os que perdem, que são poucos, com as novas tendências sociais, e queixem-se os que lucram, que são todos, do pouco que se conquista polegada a polegada nesta santa cruzada do progressivo melhoramento social, a verdade é que a civilização caminha incessantemente, e não há fechar-lhe as portas; se lhas fecham, faz pé atrás e arromba-as!
Pois bem: se isto assim é, a geração que nos suceder há de ignorar a significação de muitos termos, que aliás hoje são entre nós vulgares, e trivialissimos. É necessário deixar-lhos explicados com bastante clareza para auxilio dos futuros cronistas, e dos Santas Rosas de Viterbo, que a providencia lá tem no seu grande reservatório para compiladores de glossários de palavras antiquadas.
(…)
É o que há-de acontecer com a palavra caceteiro, se nos não mente a confiança que temos no bom senso português e na constante, e severa aplicação dos bons princípios assim haja quem os aplique, e quem lhes possa sofrer a aplicação!
Com efeito ou quanto se nos tem dito a respeito de progresso, e civilização são refinadas mentiras, ou há-de chegar um tempo, e não muito distante em que não seja possível compreender como alguém se lembrou de introduzir uma ideia pelo método da maceração da carne, da fractura dos ossos, ou pelas fendas abertas no crânio por uma bem puxada bordoada de cacete!
Se escrevermos a historia do nosso tempo, e contarmos, como é de razão, que houve um período em que a justiça dos princípios se provava à bordoada, que aos espíritos que a não compreendiam se lhes ajudava o engenho com uma boa sova de pau, que o pensamento imanifestado, e mesmo oculto, e apenas imaginado atraia sobre a vitima a correcção daquele grande silogismo de carvalho, talvez não queiram acreditar-nos!
Pois filosofem como quiserem os críticos futuros; o caso foi verdadeiro, e por vergonha nossa passou-se nesta terra portuguesa no século décimo nono!
Porém a incredulidade, que a narração de tais sucessos deve produzir, aumentara quando a história acrescentar, que pelas mesmas mãos em nome de diversas causas se produziram os mesmos efeitos! Caceteiro chegou a ser oficio como aguadeiro, barbeiro etc.
O caceteiro não tem opinião politica: é um homem corrompido, e devasso, sedento de ouro, e de licença, que espreita nos olhos de quem pôde conceder-lhe uma destas coisas ou ambas o sinal de extermínio que ele sabe adivinhar com um instinto prodigioso. Que reine o sr. D. Miguel, ou a filha do sr D. Pedro, que o governo seja absoluto, ou representativo, que o sistema governamental seja rigoroso, ou indulgente, que os ministros sejam honrados, ou prevaricadores, o caceteiro está pronto a castigar a opinião vencida, a atacar cobardemente o desgraçado, a tirar-lhe mesmo a vida, se tanto for necessário!
A causa, que sucumbe, pôde contar o caceteiro no numero dos seus inimigos, mas o mesmo, o mesmíssimo homem com o entusiasmo do partido abandonado ainda quente da vespera, porém com o braço vigoroso de actualidade e com a cabeça fervente dos santos princípios, que se incutem a pau.
Crê ou morre, diziam os turcos aos cristãos, mas se as meias luas ficavam humilhadas diante do sinal da redenção quem viu o soldado turco voltar a Fez, entrar na mesquita, degolar os crentes, ou pôr-lhes o alfange aos peitos para que adorassem o Crucificado? Ninguém.
Pois isto, que os turcos não faziam, fazemo-lo nós, profetas da civilização bárbaros de nova, e danadissima espécie!
E louvado seja Deus, neste negocio ninguém pôde dizer a seu irmão racca: todos os partidos tem culpas no cartório, e grandes, enormíssimas.
Nunca apetecemos poder de nenhuma espécie mas se o tivéssemos cobiçado pleno, forte, e sem limites, seria para enforcar um caceteiro em cada terra onde os houvesse, como o marquês de Pombal fez aos ladrões entre as ruínas do celebrado terremoto.
– Em quanto for possível espancar um homem, porque a combinação das suas ideias, dos seus interesses mesmo o dirigiu neste ou naquele sentido politico, o grito de viva a liberdade é uma solene mentira, uma destas burlas indecentes, que se podem fazer a um homem mas que a uma nação nunca se fazem impunemente.
E o mais é que ninguém tirou ainda até hoje proveito de semelhante sistema; pelo contrario; governo, que tolerou os cacetes, que imaginou inspirar confiança, estabelecer o credito, e firmar a ordem a pau enganou-se, e caiu miseravelmente: autoridade que os não castigou, incorreu na indignação publica, particular, que os incitou, ou premiou, tarde ou cedo veio a ser vitima deles.
Mas digamo-lo também para consolação dos verdadeiros crentes, dos que acreditam de boa fé na força da sã, e inconcussa doutrina da liberdade, e da ordem, em Portugal todos os homens bem educados detestam os caceteiros, e Lisboa, estamos em que já não os suportaria nem assalariados nem oficiosos; se pudesse ainda suporta-los, se tantos anos de educação liberal não tem produzido ao menos aquele resultado, então…. então que?
Cuidavam que desesperávamos da possibilidade pratica dos bons princípios Enganam-se, desesperariamos dos homens, e não teríamos menor razão para lhes applicar a exclamação, que o servilismo do senado arrancou ao próprio Tibério homines ad servitutem paratos.”
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“Roberto Valença – Romance” António Augusto Teixeira de Vasconcelos (1848)