Namoradas – Histórias do tio Joaquim

Publicada por luís rodrigues coelho Coelho à(s) sexta-feira, Janeiro 10, 2014

Quando eu era um rapaz novo, corria por todo o lado. Procurava as moças mais bonitas e as mais ricas.
Naquele tempo faziam-se serões quase todo o ano. Umas vezes a desfolhar as espigas de milho, outras a debulhar o milho à mão. Algumas a britar os pinhões ou a fazer retalhos de roupa velha.
Toda a roupa que já não servia era lavada. Depois ao serão era rasgada em tiras finas pelas raparigas. Os rapazes iam enrolando essas tiras de tecido numas bolas. Depois levavam-nas para a Tecedeira que fazia mantas.  As mantas que temos cá em casa foram todas feitas assim…Nunca se estragava nada e tudo tinha algum préstimo…

Nós íamos a todos os serões que eram uma forma de nos encontrarmos e podermos namorar um pouco. Cantava-se, ria-se com muita animação e éramos felizes. Novos e velhos conviviam ao redor da fogueira.
Nestas ocasiões, arranjavam-se namoricos com moças de outra aldeia, mas os rapazes em cada terra guardavam as suas moças. Cada um só podia namorar e casar na  sua terra…

Arranjaram-se grandes lutas entre rapazes de aldeias diferentes porque lhes queriam roubar as melhores moças.
Faziam-se “esperas”. Saltavam-nos à frente ou nós à frente dos outros e quase nem dava tempo para conversas.
– Vai namorar as moças da tua terra, as nossas já têm dono e não se dão aos cães…
Os cacetes começavam a dança. A conversa agora era dar ou defender-se
Só se viam paus no ar a cruzarem-se uns contra os outros. Ás vezes uma paulada mais forte rasava nas nossas costas ou até na cabeça, mas ninguém dava parte de fraco…A luta ia aumentando até que alguém cedia ou se punha ao fresco (fugia), levando os outros pelo mesmo caminho…fugiam a bom fugir…aquilo era ter pernas para andar…parecia que tinham fogo no rabo…Eh rapazes…tão cedo não se metem noutra…

Algumas vezes nas festas das Aldeias juntavam-se grupos rivais prontos para fazer a vingança…Nós já sabíamos da marosca e não íamos sozinhos. Quando se era apanhado de surpresa levavam uma boa coça…Ufa…
Com dezoito anos Já namorava uma moça de Amor. Uma rapariga muito bonita.
Eu era ainda um rapaz novo. Não tinha medo de ninguém, nem desconfiava que me quisessem bater. Já tinha alinhado nessas batalhas, mas tudo acabou sempre em bem. Cada um foi para seu lado e ficávamos amigos…

Uma certa noite, nem sei ao certo como aconteceu, esperaram-me ali em cima, à Cabaceira. Parece-me que estou a ver ainda as curvas fechadas e aquelas encostas altas e cheias de arvoredo. Havia sítios onde até de dia nós tínhamos receio de passar. Diziam que eram locais escolhidos pelos bandidos para fazerem os assaltos. As vítimas ficavam cercadas e não podiam fugir.
Os caminhos naquele tempo eram medonhos. Grandes silvados ou caminhos fundos no meio de grandes barreiras de terra.

Nesse tempo namorava-se apenas ao domingo à tarde e sempre na rua, junto da porta principal da casa da rapariga. Ao anoitecer, quando tocavam as três badaladas na torre da Igreja, as três Avé-Marias, a rapariga tinha de entrar para dentro de casa, para junto dos pais.
Havia muito respeito e ninguém se atrevia a desobedecer.
– Bem, dei-lhe as boas noites, marcamos encontro para o domingo seguinte, e … “ála”…meti-me ao caminho de regresso a casa.
Estava uma noite de breu…Nem as estrelas se viam no Céu…

Nesta altura já eu levava este pau comigo. A viagem era feita a coberto da noite e nunca sabíamos o que nos podia acontecer…
Vinha eu a subir a tal encosta, no meio daquele arvoredo, quando me salta à frente um desses rapazes, vizinho da rapariga.
– Alto lá…disse-me com ar ameaçador…Isto é só um aviso:
Se continuares a namorar aquela rapariga vamos ter de ajustar contas…Nem sabes de que terra és…

Eh rapazes…! Ui… Aquilo deu-me um nó no estômago. Parecia um tiro…Desandei o pau direito a ele, mas por sorte não lhe acertei. Ele estava sozinho e fugiu. Teria pensado que era homem para mim, mas enganou-se e muito bem enganado… Aquilo é que foram pernas para andar….Pareciam asas. Ele sumiu-se da minha vista mais rápido que um relâmpago.
Fiquei a conhecê-lo. Não me torna a fazer outra !

No próximo domingo, pensei eu, tenho de ir preparado. Ele e os amigos vão-me fazer-me “uma espera” para se vingarem…
Só tenho duas escolhas:
– Ou fico em casa ou então tenho de escolher outro caminho.
Ná…em casa é que eu não fico. Levo o pau comigo e depois há-de ser o que Deus quiser.
Depois das Avé Marias, voltámos a combinar a hora para a próxima semana. Ela foi para casa e eu meti-me ao caminho.
O tempo tinha mudado e a noite estava mais clara.
Ainda sou homem para dois ou três como ele, pensava eu, mas ao mesmo tempo ia caminhando sempre com “um olho atrás e outro à frente” não vá o diabo tecê-las…
“Desta feita” deixaram-me em paz…
Nos meses seguintes acabámos o namoro. Não nos entendemos e eu tinha de resolver a minha vida. Queria casar.

Nesta altura já andava de olho na tia. Ainda éramos parentes. Namorámos e casámos no ano seguinte. Depois fui para a tropa. Ela ficou sozinha com um filho e dois rapazes, meus irmãos mais novos, para cuidar. Tratou-os como filhos e soube ser uma boa mãe ensinando-os a trabalhar…
Fomos felizes. Era assim a vida e não foi nada fácil….

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