Uma vez, ao levantar-se para o trabalho, de madrugada, disse ele para a mulher:
– À noite, quando vier, quero para a ceia bolo refolhado. Olha lá, toma cuidado no que digo.
A mulher não sabia o que era bolo refolhado, e foi ter com uma vizinha para ver se ela lhe ensinava. A vizinha, que tinha muita pena da vida que ela levava, disse:
– Deixe estar, que eu cá lhe arranjo isso. Com certeza que o seu homem se enganou, há-de ser bolo «folhado». E levou-lhe à tardinha o bolo.
Quando veio o homem do trabalho, pediu a ceia, e, como não achou o bolo refolhado, berrou, ralhou, deu muitas pancadas na mulher.
Ao outro dia a mesma coisa. A mulher, coitada, foi ter com a vizinha, e ela disse-lhe:
– Arranje-lhe vossemecê uma galinha guisada, que pode ser isso o que ele talvez queira.
Voltou o homem à noite, e mais pancadaria na mulher, por não lhe ter feito para a ceia o bolo refolhado, como mandara. Ao ir para o trabalho, outra vez a mesma recomendação. A desgraçada da mulher não sabia como acabar aquele fadário, e foi ter com a vizinha a chorar.
– Deixe estar, vizinha, tudo se arranja! Venha cá ter comigo à tardinha, vestida com as calças e o jaquetão do seu homem.
A pobre mulher foi. Assim que chegou a casa da vizinha, também a achou vestida com as calças e o casaco do marido dela; e partiram ambas com os seus varapaus para o sítio por onde o homem ruim havia de vir do trabalho.
Puseram-se cada uma de um e outro lado do caminho. Quando o homem vinha a passar, diz uma:
– Bate-lhe, São Pedro!
– Porquê, São Paulo?
– Porque pede à mulher bolo refolhado.
Moeram ao som desta cantiga o homem com pancadas e depois de bem moído fugiram. O homem lá se arrastou para casa como pôde, e assim que viu a mulher pediu-lhe perdão de tê-la maltratado tanto tempo, e contou como lhe tinha aparecido no caminho São Pedro e São Paulo, que o desancaram em castigo de pedir o bolo refolhado, que era uma coisa que ele não sabia o que era.”
Teófilo Braga