A pena como varapau

Um dos reflexos da tradição do combate a varapau no nosso país é a de que muitas vezes na literatura ou em artigos de jornal ou revista se faz referência à tradição o jogo do pau como metáfora a conflitos, violentos, mas de natureza verbal.

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Essas primeiras horas da República em Lisboa, recordam-nas os bons republicanos, ainda hoje, com um vago deslumbramento de quem folheia uma epopeia de amor, de abnegação e heroísmo. Na antecâmara do ministério da Guerra, conversavam e abraçavam-se, sorrindo homens graduados da república que andam por aí, ao cabo de dez meses, na feira do parlamento e do jornalismo, jogando uns aos outros as mais tremendas e certeiras bordoadas de varapau ferrado. Porque começaram logo os descontentamentos? Será verdade que uma Revolução, para ser esplendidamente fecunda e harmoniosa, precisa de ser bem regada com sangue e não pode, por desgraça, nascer, como a nossa, entre sorrisos de idílio, de perdão e de paz, para vencidos e vencedores?
-“Vida Política” Câmara Reys, fasc. 1º, 12/08/1911


Sarmento abandona os seus livros e, bom vimaranense, maneja a pena a favor da sua terra como se brandisse, temerosamente, o varapau minhoto.
Revista de Guimarães, Volume 37


Das rudezas de linguagem de Sampaio são muitos os episódios, no Paço e fora dele. Sendo, porém, costume dizer-se ter Alves Martins usado um marmeleiro como argumento convincente, melhor poderá afirmar-se ter Sampaio empregado idêntica arma combativa.
-“Livres das féras” Augusto Forjaz, 1915

De soldado a pastor

Despresando Fileno aborrecido
Os conselhos do velho , o bom Agrário,
Foi servir de Soldado voluntario
Ventureiro na Armada de Cupido.

As suas árduas leis seguiu rendido,
Sem nota militando temerário;
Porém já mais prudente, de Amor vário
Desertou, por seguir melhor partido:

Marte busca gostoso; e quando a lida
Marcial lhe agradou, golpe violento
Sem remédio lhe fez mudar de vida.

Hoje hum cajado traz por armamento;
Por companhia o gado, e sem medida
De peles veste o pobre fardamento.

“Obras Poéticas” Joaquim Fortunato de Valadares Gamboa – 1779

O Bordão contra o Bulhão

-Cena com homem armado de bordão a defender-se de 2 assaltantes armados com faca (Bulhão).

“Uma noite, — noite de Natal, — voltava Pêro da costumada romagem à ermida da sua fiandeira, e acertando de passar pelo beco de Martin-Alho observou que alguém, disfarçado com uma manta de cambolim guarnecida de passapelo, se desviava para o deixar passar.

Conjeturou Pêro que algum fidalgo andava ali arruando por motivo de aventuras que bem eram de supor, e nada achou de extraordinário: ele também arruava…

Andadas porém algumas dezenas de passos, percebeu que o desconhecido se movia para ele, a distância, sem o perder de vista; e, quási ás portas de D. João de Noronha, percebeu igualmente que dois vultos estacionavam, ladeando a rua.

— Talvez a ronda, — pensou Pêro.

Entretanto, da banda do primeiro desconhecido que Pêro topara, ouviu-se um prolongado silvo, e os outros dois vultos, adiantando-se para a frente de Pêro, interrogaram :

— Hou-lá, senhor rufião, ; que fazeis a deshoras, com o bordão que sobraçais? Ignorais o que as leis defendem? — Pêro, supondo falar com a ronda, ia responder, quando um dos dois vulto, arrancando do bulhão, cresceu para Pêro. Este porém, brandindo a tempo o pesado bordão, fez voar nas sombras a arma traiçoeira e partiu o crânio do agressor. Metia-se de permeio o segundo vulto, mas Pêro, vibrando-lhe ao peito violenta pontuada, fê-lo cair de costas, golfando sangue.

Livre dos dois sicários, e acreditando desde logo que eles não procediam por si sós, meteu-se de um salto dentro de casa, e ficou espiando os sucessos da rua.

Dos agressores, prostrados no solo, acercou-se o desconhecido que seguia Pêro desde o beco de Martin-Alho, e, dominado por visível inquietação, tentou erguê-los. Um estava inerte, morto; o outro gemia e golfava sangue; pôde contudo levantar se, apoiando-se no braço do adventício, que lhe disse:

— Caminha, que mal nos vai, se a ronda passa.

— Não com pressura, que as forças me falecem, senhor. — E os dois afastaram se, protegidos pela noite.

Decorrido talvez um quarto de hora, passou a ronda. Os guardas tropeçaram no sicário estiraçado na rua, e reconheceram um cadáver. Houvera certamente crime e cumpria desvendá-lo, começando-se por inquirir a mais próxima vizinhança. Bateram á porta de Pêro, que espreitava da Incarna e perguntou o que dele desejava a ronda.

— A pé estais, por esta hora? — disseram os guardas ; — testemunhastes pois o ocorrido na rua?

— Sim, testemunhei. Esse que aí jaz, e outros que fugiram, me quiseram tirar a vida a golpes de bulhão ; lutei e, por me defender, com o meu bordão prostrei um.

— Haveis de dizer isso ao senhor alcaide, que de vossa defesa não podemos julgar.

— Do melhor grado, senhores, e agora mesmo se vos praz.

— Andai connosco, trazei vosso bordão e lá direis de vossa justiça.

Confessado o assassínio, e enquanto as justiças da corte procediam ás necessárias pesquisas, o alcaide mandou recolher Pêro de Alenquer na prisão do Tronco.”

“Amôres de um marinheiro; narrativa historico-romantica”, Candido de Figueiredo, 1898

Os homens de Valezim

Os homens desta terra, são, no geral, robustos, sóbrios e valentes, e bem mostram descender dos bravos e indómitos pesures, ou hermínios. Nas varias lutas que têm sustentado contra os povos vizinhos, foram quase sempre vencedores.

Não há muitos anos, que três pastores de Valezim, sustentaram, a pau e à pedra, uma renhida luta, durante toda a noite do Natal, contra os moradores do Rosmaninhal (concelho de Idanha a Nova) muitas léguas distante de Valezim, ferindo bastantes contrários, e saindo todos três vencedores e sãos e salvos.

São eminentes no jogo do pau, que aprendem desde a infância, e que é a sua ordinária distracção e o seu orgulho: apenas temem as armas de fogo.

“Portugal antigo e moderno : diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias” 1873

JOGO DO PAU NO GINÁSIO CLUBE DE MAFAMUDE – (Revista Stadium -1932 – Biblioteca Museu Nacional Desporto – Lisboa)

O Jogo do pau revive

O norte do país teve, desde sempre, a especial inclinação por este jogo. Disseminado por todos os concelhos, em um houve que a prática era desejada pela mocidade, tal como agora o futebol, Não só a gente humilde o aprendia. Também os ricos o cultivavam.

E Vila Nova de Gaia, o concelho referido, fez gala dessa vantagem. Por muito tempo, tomou a dianteira. Os seus naturais orgulhavam-se de possuir um com lote de esgrimistas, dignos adversários de muitos que se intitulavam campeões. Foi uma época áurea, só lembrada pelos antigos. Ás noites do velho Coliseu, com os seus assaltos entre os vários cultores, pendeu sempre para os gaienses

Mas… veio a época do esquecimento, e o antigo desporto é lançado ao abandono. Uma ou outra manifestação isolada, sem o brilho preciso. Tudo isto pesou para que outras modalidades ocupassem os ócios da juventude, relegando para ínfimo plano o verdadeiro jogo português.

Dessa plêiade de outros tempos existem três pioneiros: Antero Romariz, Francisco Pereira e Joaquim Tomaz Rodrigues. Lembrando-se de incutir no âmbito dos novos a vocação pela esgrima do pau, lançaram as bases de uma coletividade em que a mesma fosse ministrada com método a todos quantos a ela se quisessem dedicar. Foram bem sucedidos e em pouco tempo uma dezena de alunos frequentava o Ginásio Clube de Mafamude, titulo com que foi batizado esse agrupamento.

A semente frutifica e pouco depois dezenas e dezenas de praticantes recebem as lições desses dedicados mestres. A apresentação em público e em festa do Ginásio já se realizou. Festa linda, foi dado apreciar o grau de aperfeiçoamento de muitos alunos.

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Jogo do pau – A origem do Ginásio Clube de Mafamude

Pode-se começar esta história da forma que eu me recordo de meus pais e avós me contarem histórias umas maravilhosas com personagens de sonho e encanto, enfim de adormecer, outras de recordar episódios passados e presentes, essas em média eram contadas a mesa, local privilegiado onde as famílias a hora sagrada da refeição, falavam e lembravam os seus, e os que já tinham partido para o Pai.

Pois bem, também vou contar uma história, para ser mais exacto, resumir a história do Ginásio Clube de Mafamude e falar dos homens que do nada e do muito pouco que possuíam, deixaram-nos este legado que é o Ginásio Clube de Mafamude.

Tudo começa no mês de Agosto de 1931.

Um grupo de homens de raiz popular, operários e lavradores de Gaia, adeptos e cultores do Jogo do Pau, reúnem-se diariamente no Largo da Feira (Largo de Estevão Torres) num, dos muitos bancos de pedra que existiam, e decidem delinear a base de constituição de um Grupo Popular que cultivasse o Jogo do Pau e o ensinasse às gerações mais novas para que os vindouros soubessem da existência desta arte de defesa pessoal.

Estava encontrada a vontade de se criar o grupo, faltava escolher o local. Por sorte nossa foi escolhida a Freguesia de Mafamude como sede do Grupo.

À cabeça da iniciativa, e segundo algumas fontes ainda vivas que o relatam, é o Mestre Beirão quem lidera o processo. Francisco Pereira é o Mestre Beirão, mestre na antiga fábrica de cerâmica do Carvalhido: é um homem possante, de uma boa constituição física, é um dos mentores e mestre do Jogo do Pau. È secundado pelo Armindo Cabreiro e o Neca Salsa ambos do lugar do Agueiro. Também o António Carmo, policia sinaleiro no PORTO, o Mário Cruz de Cravel e o Belmiro Ferreira tipógrafo da Rasa de Baixo.

O Neca Saraiva tipógrafo a trabalhar na Casa do Povo no Porto, é o cérebro desta organização, que agora vai dar os primeiros passos. È este homem que tem por missão tratar de toda a burocracia inerente à constituição do futuro GINÁSIO CLUBE DE MAFAMUDE.

Deste modo, e graças ao trabalho destes e de outros homens em Setembro de 1931 é criado um novo clube em Vila Nova de Gaia. Tinha nascido o Ginásio Clube de Mafamude, clube vocacionado para a pratica e ensino do Jogo do Pau. Em 1933 é feito o pedido pelo Presidente Sr. Francisco Pereira para a legalização do Ginásio Clube de Mafamude junto do Governo Civil do Porto, pedido com a data de 22 de Fevereiro do ano de 1933, sendo-lhe concedida a autorização pretendida. Encontra-se este documento no Livro de Portas do Governo Civil do Porto com o nº 7419.

A prática, treino e local de estar é a loja do PINTO, um barracão nas traseiras de um estabelecimento que se encontrava na junção da Rua do Telhado e Rua Soares dos Reis. È a sede do Ginásio Clube de Mafamude, uma construção precária, mas que servia os intentos deste jovem criado Clube.

Com o tempo este grupo de jogadores do pau foi-se enraizando no local, as demonstrações desta arte de defesa pessoal foram-se sucedendo, os diversos locais por onde estes praticantes do Jogo do Pau vão passando e se exibindo, deixando os espectadores com vontade de praticarem esta arte, e encantados com a beleza e destreza deste jogo.

Foi tal a fama destes jogadores do Pau que por intermédio do Diplomata Português Sr. Mário Duarte, que, os jogadores do pau do Ginásio Clube de Mafamude tiveram a honra de serem chamados a deslocarem-se a Cidade de LA GUARDIA na festa de inauguração do campo de futebol, onde teve lugar um jogo de futebol entre as equipas do Celta de Vigo e o Real Espanhol de Barcelona, jogo precedido de uma exibição do jogo do pau.

A loja do Pinto desaparece e em 26 de Março do Ano de 1949 é feito um contrato de arrendamento com a extinta firma Bosch & Baylina de um salão de festas com entrada pela Rua do Telhado N.º 265 em Mafamude, Vila Nova de Gaia. (…)

– O Ginásio Clube de Mafamude deixou de ter jogo do pau, mas continuou a suportar muitas outras actividades, no entanto fica aque o registo da sua origem, nascido pelas mãos de jogadores de pau.

recolhido de: http://gcm.blogs.sapo.pt/arquivo/2006_01.html

Cajado contra bisarma

C A PI T U L O XXXXVII- Como o escudeiro achou Bimnarder e da batalha que ele e Godivo tiveram com os selvagens.

(…) Bimnarder se pôs diante com o cajado alto, mostrando que queria guardar a pancada, e um dos selvagens descarregou nele: Bimnarder furtou o corpo vendo descer o golpe, que deu no chão que todo o ferro nele meteu, Bimnarder antes que ele levantasse a bisarma(alabarda) lhe deu com o cajado em um braço tão grande pancada com ambas as mãos que um dos selvagens fez em pedaços: o qual com a outra mão tirou com a bisarma por detrás um revês, e um dos cães que por uma perna o tinha, e o cão por fugir veio a cair no golpe do ferro, que lhe cortou todos os quatro pés cérceos sem ficar nada: já a este tempo vinha Bimnarder com outra pancada alta, e vendo o selvagem não podendo erguer a sua bisarma, tão manhosamente lhe tirou a Bimnarder uma estocada que lhe passou as pernas ambas pelas coxas por ele estar de ilharga com o golpe feito, e não pode furtar o corpo por estar no ar com o golpe que deu ao selvagem na cabeça, que sem nada estava, com que lha quebrou, e caiu  (…)

_______
“Menina e Moça” de Bernardim Ribeiro – 1554


EN:
A fight scene from a pastoral novel from 1554 of a man (Bimnarder) with a walking staff fighting another with an halberd (a barbarian).

Quick translation of the bold text:

Bimnarder places himself with the staff high, showing his intent to parry the strike, and one of the barbarians attacks him: Bimnarder evades the body and sees the strike falling and hitting the ground with all its metal part going into the ground. Before the halberd is raised again, Bimnarder hits him with both hands with such a strike that one of the hands of the barbarian is broken in pieces: with the other hand the barbarian gives a revez from behind, and one of the dogs, that was close to him, without being able to run away has his legs compleatly cut off: At that time Bimnarder has another strike armed high, he sees the barbarian not being able to raise his weapon, but doing instead a thrust to Bimnader, that went between his legs. Without being able to step out like that, Bimnarder gave another strike to the head of the barbarian, that broke it, and so he fell down.

Festas da Nazaré – de cabeça aberta.

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Festas da Nazaré – A entrada dos círios
“Cifra-se em dois elementos a síntese de todos os círios: uma grande turba de anjinhos e uma grande cópia de cacetes ferrados.
Bom é quando os primeiros nos deixam ver o céu aberto sem que os últimos nos deixem a cabeça também aberta.“
“O António Maria” N.º 277 [18 Setembro 1884]

EN: An illustration and note on a Humoristic journal from 1884, quick translation:
“There are two elements in this religious procession: a great crowd of Angels, and the copious amount of walking staffs with ferrules.
It is a good thing, when the Angels allows us to see the open sky, without the staffs leaving us with an open head.”

Link: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/OAntonioMaria/1884/1884_item1/P266.html

O profissional e o mestre

Dizem dele que é «o único profissional português de jogo do pau». Chama-se Nuno Russo, tem 32 anos, vive em Lisboa e, de facto, dedica todo o seu tempo áquele desporto tradicional, seja exibindo-se, seja ensinando.

mestres Nuno Russo e Pedro Ferreira.
mestres Nuno Russo e Pedro Ferreira.

«Gosto de jogos de combate e dediquei-me ao Karaté durante muitos anos» diz Nuno Russo. «A certa altura, tomei contacto com o jogo do pau por meio do mestre Pedro Ferreira, um minhoto radicado em Lisboa. Já conhecedor das artes marciais, vi então o valor deste nosso jogo e da sua riquíssima técnica. Acabei por abandonar o Karate, e, de há oito anos para cá dedico-me exclusivamente ao jogo do pau. Se temos cá dentro, nossa, uma arte marcial tão rica, tão completa, para quê ir buscar outras lá fora?»

Ciente da necessidade de divulgação da modalidade. «para que ela não se perca». Nuno Russo começou a dar aulas, nisso ocupando hoje os seus dias: é um clubes e associações, é nos Fuzileiros, é na Policia de Intervenção, é no Instituto Superior de Educação Física (ISEF), é no Ginásio Clube Português. Enquanto reparte esforços com mestre Pedro Ferreira, professor no Ateneu, para «oficialização» deste desporto, exibe-se também um pouco por todo o lado, com solicitações várias do estrangeiro. «Estive já na China, por exemplo, e eles consideraram que temos uma das mais avançadas técnicas de jogo do pau a nível mundial…»

Aliás, é provável que daqui a tempos Portugal esteja a participar em torneios internacionais da modalidade. «Se noutros países fazem competições – adianta Nuno Russo – porque não havemos nós de as fazer também? Mas devidamente protegidos, claro, para podermos manter o combate em toda a sua pureza.»

Violento, este desporto? «Sim, é violento, como são todos os desportos, desde que não se saiba praticá-los…» atalha mestre Pedro Ferreira cujos 71 anos não impedem de praticar o «jogo do pau» um bom par de horas todos os dias. Natural de Melgaço ele lembra-se ainda de «como era» quando as desordem nas feiras «duravam uma hora e mais» pois «até davam tempo que se chamasse a GNR para parar os lutadores».

Entusiasta, Pedro Ferreira diz que o jogo do pau, mais que um desporto, é «uma arte, uma arte genuinamente portuguesa» com «enormes benefícios  físicos e psíquicos» para o praticante: desenvolve os músculos, condiciona os reflexos, coordena os movimentos, obriga à imaginação…

«E combatemos sem nunca perder a ideia da vitória» conclui «Temos que a manter ou morremos, não é?».

Joaquim Fidalgo – EXPRESSO, Sábado, 13 de Setembro de 1986