A verdade é que, em tempos antigos, sempre que nos Arcos se falava em que os soajeiros queriam descer à vila em atitude hostil, o susto não era pequeno. Lembro-me disso em criança.
Há alguns anos sucedeu porém, um facto que desenganou os arcoenses de que podiam medir as suas forças com estes destemidos serranos. Foi o caso que os soajeiros quiseram desafrontar-se de quaisquer agravos de romaria, feitos não sei por que frequentadores de feiras ou arraiais de outras freguesias do conselho. (Prozêllo, etc.) Levaram a sua a audácia a escolher para o despique um dia de feira dos Arcos, de modo que vieram em massa e, simulando um batalhão, subiram provocadoramente a calçada que na vila conduz ao elevado sitio, onde se faz a feira do gado e onde, portanto, se reúnem os puxadores de pau, os varredores de feiras, os mestres, enfim, na arte de rachar cabeças do próximo.
A autoridade administrativa, que, prevenida, foi parlamentar com os chefes da expedição, nada conseguiu!
Chegados ai, sem mais tir-te nem guar-te, iniciaram, com os seus toscos varapaus de cerquinho, um rodopio cego, a torto e a direito, sobre os surpreendidos lavradores e contratadores de gado, que na feira se encontravam. Mas não tardou que a impulsiva estratégia da arremetida tivesse o desfecho natural. Senhores de uma posição favorável e assomados pela ousadia dos soajeiros, todos os que tinham uma boa vara nas unhas, depois de se «cobrirem» dos primeiros «talhos», responderam-lhes com uma torrente de pancadaria tal, caindo de roldão sobre os soajeiros e acossando-os com os seus lodãos fortemente «argolados» que, dentro de breves minutos, ninguém na vila sabia o que fora feito dos arrogantes caceteiros, tamanha foi a estugada aflição com que sumiram pelas encruzilhadas e pelos milharais. Do prélio ficou um morto dos vencedores! Constava depois que ao desbarato não fora estranha a pedrada do mulherio. Na expressão minhota, foi um verdadeiro “dia do juízo” nos Arcos!
Noticia sumária acerca do Soajo – Feliz Alves Ribeiro
Solidários entre si, os soajeiros são conhecidos na nossa história pela sua independência de espírito e combatividade, de que é exemplo, entre outros, a figura quase lendária do juiz do Soajo. E sem esquecer a famosa rixa que eles , hà pouco mais de meio século tiveram com gente dos Arcos de Valdevez, onde um dos seus tinha sido maltratado. Combinada a desafronta, juntou-se um numeroso grupo de soajeiros, que no dia marcado varreu literalmente a feira dos Arcos, com os paus de que eram temidos jogadores. A quem procuravam dissuadir-los respondiam, “Quando saímos do Soajo já os sinos ficaram a tocar pelos que hão de morrer”
Como já nos vem habituando o nosso atleta Carlos dos Santos mais uma vez sagrou-se Campeão no passado dia 6 de Julho no Open Europeu de Stick Fight 2013 (categoria de -80 kg) em Palma de Maiorca.
Depois de já ter vencido o Open de Madrid de 2012, e ter alcançado a medalha de bronze no Open Mundial de 2012 em Carrara e de se ter consagrado Campeão Nacional de EsgrimaLusitana 2013, alcançou mais esta vitória impondo a eficácia da nossa Arte Marcial Portuguesa a Esgrima Lusitana.
Vem esta Federação agradecer uma vez mais ao atleta Carlos Santos, o esforço, o sacrifício, a tenacidade e a confiança na técnica que pratica elevando deste modo as cores nacionais ao mais alto nível.
Convidamos todos os bons portugueses praticantes ou não de Esgrima Lusitana a associarem-se a esta homenagem
a FNJPP _______
Objectivo cumprido! Depois de muitas horas de espera num pavilhão, consegui trazer o Ouro para PORTUGAL!!! Foi exigente, devido à qualidade dos adversários, mas consegui! Estar aqui sem qualquer claque nem apoio logístico e à medida que ia ganhando ouvir aplausos e a palavra “Portugal!!!” de claques de outros países é inexplicável!
Agradeço todo o apoio dos meus alunos (que dispensaram horas do seu tempo para me auxiliarem nos treinos), amigos, camaradas e sobretudo à minha família que tem sido sacrificada com a minha ausência para treinar!
Um agradecimento muito especial ao Grande Mestre Nuno Russo /Esgrima Lusitana (o responsável pelos meses de preparação para mais esta prova internacional), à junta de Freguesia de Queijas e à Associação Desportiva de Queijas (quem possibilitou a minha vinda a Palma de Maiorca), ao meu amigo e camarada Paulo Aguiar pelo apoio e treinos em conjunto e à Rocktape Portugal pelo apoio na recuperação e prevenção das lesões durante os treinos e durante todos os combates que realizei! Brevemente fotos e vídeos do campeonato!
“Quando me julguei suficientemente ensinado do que se fazia no Real Ginásio, conversei com o meu primeiro mestre e amigo Artur dos Santos, sobre as minhas tensões de ir experimentar outros ares, e eis-me à procura doutros, que algumas cousas mais me pudessem ensinar.
Vi muito pouco antes de ir ao barracão do mestre Salreu, em diversos quintais que visitei, e esse pouco que tive ocasião de ver não me admirou, pois que era jogo mais ou menos semelhante ao que primeiro tinha aprendido.
Mas veio um dia em que entrei no quintal do mestre Salreu, e da parte de fora da janela do barracão estive vendo um assalto, como nunca julguei que pudesse haver. Que energia de pancadas, que certeza nas defesas, que cousa tão linda, certa e movimentada, em que logo percebi, que ali nada se perdia no ar, e que o terreno era disputado com toda a consciência.
Escusado será dizer, que logo que o assalto terminou eu estava da parte de dentro do barracão, para ver os outros assaltos ou lições que se seguiram, e no dia seguinte eu era mais um discípulo do mestre Salreu.
(…) Domingos Valente de Couras Salreu foi o jogador da elite, o homem mais completo, com mais vastos conhecimentos, sabendo-se cobrir como ninguém, cortando só quando era oportuno, e sabendo fazer brilhar o seu adversário quando isso lhe convinha ou apetecia. Nunca ninguém deixou de ficar satisfeito, quando acabasse de jogar com o mestre Salreu, mas posso afiançar que exceptuando alguns seus discípulos adiantados, ninguém percebia do que ele poderia fazer, se fosse um jogador vaidoso.”
“Duas palavras sobre o jogo do pau” – Frederico Hopffer (1924)
EN:
Frederico Hopffer, in his 1924 book on jogo do pau, describes the first time he met master Domingos Salreu’s class.
When I felt I knew enough about what was taught at the Royal Gymnasium (nowadays Ginásio Clube Português*) I talked with my master and friend Artur dos Santos about my intentions to try out other places, and I found myself looking for others that could teach me something else.
Before going to Master Salreu’s shed, I saw very little in the various yards that I visited, and the few things I had the opportunity to see didn’t impress me, because it was very similar to what I have had learned in the first place.
But there was the day I entered Master Salreu’s yard, and from the outside of the window of the shed I watched an assault, and I never imaged there could be one like it. The energy of the strikes and the certainty of the defences, what a beautiful thing, correct and dynamic, and I immediately understood that there nothing got lost in the air, and that the terrain was disputed with all consciousness.
Needless to say, as soon as the assault ended I was inside the yard to see more assaults or lessons that followed, and the next day I was one more student of Master Salreu.
(…) Domingos Valente de Couras Salreu was an elite fencer, with a most vast knowledge; he knew how to cover himself as no one else did, evading only when it was opportune, and knew how to make his opponents shine when he wanted or if it was convenient to him. I have never seen someone not satisfied when fencing with Master Salreu, yet most people, except his most experienced students, would not understand what he could do if he happened to be a vain fencer.
“Duas palavras sobre o jogo do pau” – Frederico Hopffer (1924)
Notes:
* – Ginásio Clube Português is the oldest gymnasium with jogo do pau classes, currently headed by Master Nuno Russo.
Domingos Miguel nasceu em Silves em 18 de Fevereiro de 1884. Muito novo veio a residir com seus pais para Almada. Aqui se fez homem e desportista e aqui viria a ser sepultado. Foi um filho adoptivo de que Almada e seu conselho muito se orgulham, um homem extraordinário sob todos os aspectos da sua longa vida. O seu nome, para os vindouros, poderá ficar como uma lenda, mas foi na realidade um facto.
Era filho de um operário corticeiro e seguiu a profissão de seu pai. Cedo aprendeu a defender os direitos dos seus irmãos e camaradas, consumindo a vida inteira na luta pela democracia e pela liberdade do homem. Lutou com estoicismo. Foi temido e respeitado. Durante meio século foi símbolo de honra e valentia. Foi dirigente da Federação Corticeira e tesoureiro do Sindicato até 28 de Maio de 1926…
Tivemos o enorme prazer em contactar muitas vezes com Domingos Miguel e temos sempre presente a sua figura de homem simples, irradiante. Gostava imenso do convívio com os mais jovens, trocando impressões sobre os mais variados assuntos, transmitindo conselhos e opiniões sensatas. Era um prazer escutar Domingos Miguel.
O Desportista
Domingos Miguel foi um dos mais vigorosos desportistas portugueses de todos os tempos. Dedicou-se sobremaneira ao popular jogo-de-pau, apelido da esgrima portuguesa, onde atingiu craveira de exepcional relevo. Cremos que se tivesse enveredado por outra qualquer modalidade teria triunfado da mesma forma.
Em rapaz começou a praticar natação. Fazia ginástica e tomou o gosto de fazer saltos mortais como vira numa «troupe» de árabes. Mais tarde foi assíduo praticante de cultura física, utilizando o «Meu Sistema» do dinamasquês V. Muller. Aos 19 anos começava a receber lições de jogo-de-pau pelo mestre Domingos Salreu, na Estrela, em Lisboa. Descolava-se na companhia de Domingos Varejão, já há muito tempo discípulo de Salreu e que pouco depois passaria a ensinar Domingos Miguel, no Alfeite de na Margueira. Também foi seu mestre José Dias, o «95».
Consultando jornais e revistas da época vamos encontrar numerosas referências que lhe são feitas. Os grandes jogadores, mestres e professores, como coronel Ressano Garcia, dr. João Moura Pinheiro, Tobias de Freitas, Artur dos Santos, Frederico Hopffer, José Gonçalves Dias – o «95», Domingos Salreu, Domingos alves, António Caçador, e tantos outros, são unânimes em afirmar a enorme classe de Domingos Miguel.
A revista «Stadium» insere em 1953, uma entrevista da qual respingamos estes apontamentos. Pergunta-lhe o jornalista: – Qual foi o seu mais terrível assalto? – «Foi – respondeu o mestre – com Domingos Alves, numa festa de beneficência. Contava então 25 anos, Nessa época possuia grande fôlego, compreende, era a idade a manifestar-se!… Travámos uma batalha colossal, de rapidez fulminante e de pancadas rijas e certeiras, que fizeram erguer a assistência fortemente emocionada. Domingos Alves foi o mais terrível adversário que tenho encontrado! Que batalha! Parece-me que ainda ouço o estalar dos paus! Jogámos mais de 15 minutos uma luta que eu recordo com saudade. Por fim a assistência pôs termo ao combate. Como esse dia é recordado por mim!»
– Falemos, Domingos Miguel, daquele jogo em Almeirim com o António Caçador – pede o entrevistador.
«Sim, joguei outro assalto, que me deixou gratas recordações. Jogámos na praça de touros e ao jogo assistiu a gente mais importante da terra. Nós estávamos em boa forma. Não pode calcular o que foi o assalto. Qualquer coisa de formidável. Jogámos em rapidez e a ovação da assistência foi enorme. Nunca na nossa vida ouvimos uma salva de palmas tão estrondosa.»
Em 20 de Fevereiro de 1971, o «Jornal de Almada» publicava uma curiosa e valiosa entrevista feita por Romeu Correia, por altura do 87º aniversário de Domingos Miguel, então internado no Lar-Granja Luis Rodrigues, em Costas de Cão.Dessa entrevista colhemos algumas passagens.
Romeu Correia perguntou: – Quando começou a leccionar no Ateneu Comercial de Lisboa?
– «Fui mestre no Ateneu, de 1926 a 1963, portanto 37 anos!…» Mas também ensinei no Lisboa Ginásio cerca de 20 anos. Boa gente! Que grandes colectividades! Do Ateneu guarde as mais gratas recordações. Uma autêntica família! Colaborei em 22 saraus no Coliseu dos Recreios e também no Eden Teatro, Palácio dos Desportos, em três circos e ainda em centenas de outros lugares!…»
-Quantos discípulos teve ao longo da sua carreia?
-Não posso calcular… mas certamente umas boas centenas. Entre outros recordo: João Mendes, João Lavrador, António Moleiro, António Nunes Pereira, Inocêncio Procópio, António Novo, Inácio Roberto Guedes, Anónio Nunes Caçador, Joaquim Madeira, Aurélio da Cunha, Domingos Rebelo, Elias Gamero, o Gabriel, que também está aqui internado.
– Além do jogo-de-pau e de saltos acrobáticos… sei que foi um exímio nadador. Conte-nos uma façanha sua nessa tão salutar modalidade desportiva.
– «Por volta de 1925 ou 1927 ganhei uma travessia do Tejo a nado. Tinha quarenta e tal anos. À partida éramos umas boas dezenas de nadadores. Atirámo-nos ao rio na doca de Alcântara e viemos a nadar até Cacilhas… Ganhei o primeiro lugar para o Ginásio Clube do Sul.
-Atribui a sua espantosa saúde e lucidez à prática desportiva?
– «Pois decerto! Porque se não fizesse nada… estava mas era há uma quantidade de anos debaixo dos torrões.»
Perguntando-lhe Romeu Correia se concordava com o amadorismo ou profissionalismo, respondeu:
– «Sou pelo amadorismo. O desporto não é profissão.»
Domingos Miguel, foi, pois, durante toda a sua vida uma das figuras mais populares de todo o nosso conselho. Na modalidade que escolheu foi praticante exímio. Percorreu muitas aldeias, vilas e cidades do país, deixando sempre onde actuava bem vincada a sua personalidade e arte de manejar a vara de lódão. De reflexos rapidíssimos e agilidade felina, era «impossível» tocar-lhe e quando atacava era simplesmente «terrível». Sua destreza, força e excepcional técnica colocavam inteiramente qualquer adversário à sua disposição. Meste Domingos Miguel fazia-os render à sua incontestável supremacia, sem os molestar. Contudo, as jogadas eram por vezes arrepiantes. Desferia pauladas com uma velocidade incrível que os amantes e conhecedores da modalidade sabiam não produzir danos… Mas os menos preparados, que assistiam aos assaltos, intimamente sofriam e «rezavam para que Domingos Miguel não rachasse o adversário de alto a baixo»…
Como professor deixou bem vincada a sua competência e categoria, ensinando largas centenas de alunos. A sua actividade no Ateneu durante 37 anos e no Lisboa Ginásio durante 20 anos cremos ser um caso ímpar no País de qualquer modalidade desportiva. O facto não só atesta as suas extraordinárias faculdades como professor, como também a receptividade que possuía para tratar com pessoas de temperamentos e ideias totalmente opostas, e isto sem abdicar nunca dos seus métodos e ideias. Não faltava uma sessão de treino e era incapaz de levantar a voz, fosse a quem fosse.
Nos saraus do Coliseu dos Recreios, lá estava sempre com alguns alunos a mostrar à assistência a sua arte inconfundível de manejar o pau.
Aos 70 anos sentia-se feliz. Era um autêntico jovem no regresso a casa, sempre acompanhado da sua amantíssima e inseparável esposa. Muitas vezes nos encontrámos no barco e tinha sempre uns momentos para conversar sobre desporto. Reparava na íntima satisfação pelo dever comprido, que invadia a alma daquele homem bom, enorme desportista, de longevidade desportiva invejável que, ultrapassada essa meta dos setenta anos, saltava, sem lhe tocar, um vulgar balcão de estabelecimento e dava saltos mortais para a frente e para trás com facilidade impressionante. Poucos anos antes, acompanhava o seu sobrinho Baltasar Rocha, campeão almadense de ciclismo, em muitos dos seus treinos e não gostava nada de deixar fugir o Baltasar… ainda que a sua máquina não fosse especial!…
«Camões» estreia a 23 de Setembro de 1946 no cinema S. Luiz. Argumento: A tempestuosa existência errante de Luís Vaz de Camões, desde os tempos irreverentes com estudante em Coimbra, aos amores contrariados, como guerreiro da “má fortuna”, até ao declínio inglório, acompanhando a decadência do fausto renascentista e da pátria imperial.
Em alguns casos, na literatura portuguesa, os personagens são descritos como afamados jogadores de pau, mesmo que os autores não aprofundem mais a vertente de puxador do personagem, é geralmente uma forma utilizada de imprimir valentia, força, coragem e outros valores nesse personagem.
Além dos exemplos já referidos neste blog, ficam aqui outros seis:
O Manoel da Clara “De todos os rapazes da aldeia era o Manoel da Clara o mais querido das raparigas.
Fôra sempre um belo rapaz de afugentar rivais, mas, desde que viera da tropa e de lá trouxera aquelle ar desdenhoso de feliz D. João, aprendido no convívio dos camaradas presunçósos e mulheres de vida airada, parece que as enlouquecia.
Acostumado a ajustar a farda, como apertava bem a cinta de lã preta ou carmezim, que parecia trazer espartilho, o démo do rapaz!
Os sapatos com o lustro bem puxado, que pareciam de verniz; o chapéo garbosamente descahido sobre a esquerda; a ponta do cigarro atraz da orelha; e o lenço, com flôres e uma legenda bordadas a côres vivas, a sahir da pequena algibeira da jaqueta, as mais das vezes levada ao hombro; o Manoel era na verdade a nata da rapaziada do logar.
No meio dos outros, com as suas caras rapadas de lôrpas, valentes mas sem a elegancia dos gestos disciplinados pelo exercicio regular, o seu pequeno bigode de cidadão retorcia-se aos domingos com uma petulancia irresistivel.
Nas feiras e romarias, firmado no varapau metido debaixo do braço, toda a vaidade satisfeita a brilhar-lhe nos inquietos olhitos garços, desafiava toda a concorrencia desagradavel. Ás raparigas iam-se-lhes os olhos nelle, e mediam-se com o rancôr de rivalidades latentes.
E valentão!?–como aquilo poucos! E, como sempre, era a superioridade material da força e da coragem o que mais o fazia valer aos olhos de primitivas femeas, oferecendo-se orgulhosamente ao vencedor, ao macho forte e soberbo.
Quando o Manoel, com um rapido piparote atirava para a nuca o chapéo móle de largas abas, dava um passo atraz, fazia girar o varapau em sarilho sobre a cabeça, e torcia a bôca espumante num esgare de raiva… podiam fugir delle!
Contavam-se na aldeia as valentias do Manoel com o mesmo entusiasmo e ufanía com que se contariam as de um heroi da historia, um heroi autêntico, de que a tradição nos deixasse o nome e a memoria de largos feitos.
Uma vez era todo o povo de Infias que se juntara para o desafiar, raivosos por uma questão de mulheres de que o Manoel era afortunado protogonista, e que elle _enfiara_ pela serra abaixo–que até parecia que o vento os levava.
«Ó Manoel, lembras-te?…
«E daquella vez na romaria da Senhora dos Verdes?…
«E na feira, quando foi da compra dos meus bois?!…
As perguntas, as respostas, as diferentes versões e comentarios, envolviam o Manoel num côro de louvôres, que elle recebia mal disfarçando a vaidade num meio sorriso modesto emquanto ia enrolando o cigarro entre os dedos fortes onde brilhava um anel de cobra, o encanto e a inveja dos mais rapazes.”
“Quatro novelas” – Anna de Castro Osório (1908)
sr. António Bocca Negra “O que Pechincha não sabia era quem era o sr Antonio Bocca Negra. Era uma espécie d’animal muito pouco para inimigo. Era um Hércules mas em vez de valentia tinha brutalidade. Alto robusto patriarcha da sua tribu fazia se respeitar como o primeiro. Todos tremiam d’elle, era amigo da mulher e dos filhos mas só se fazia a sua vontade. Era fanático em pontos d’honra e adorava os frades e os conventos. Chamava a estes liberaes os phelisteus mas altar e throno tinha os no coração. Em fim era um carvalho velho que não dobrava. Era chamado por arbitro em muitas questões e a sua opinião era uma escriptura. Muitas vezes diziam:- Foi uma providencia que a este homem lhe desse para bem, aliás com aquelle génio já tinha mortes ás costas! – Apezar d’isso quando se via mettido n’uma desordem, dava bordoada a valer. Um dia sósinho varreu uma feira com um varapau escapando-se sem ninguém lhe poder tocar nem com um dedo.
Era esse o Minotauro com quem tinha que se haver o fransino e debil Pechincha.”
“Memórias da mocidade” – Francisco Soares Franco Júnior (1867)
Pescador Pedro “Mas como todos estimavam o rapaz pelas suas excellentes qualidades, não iam os gracejos até ao ponto de o offender, o que elle tambem não supportaria porque era valente e bom jogador de pau”
“Frutos de vário sabor” – F. Games de Amorim (1868)
Tibério “Não haver romaria, não se festejava santo, não havia feira grande em que Tibério não armasse, fazendo zunir na atmosfera carregada de poeiras e de sol o varapau ferrado de que andava sempre munido”
“Mosaicos : Contos e encontros” – Carmen de Figueiredo (1980)
O Esgalhado “O Esgalhado é um rapaz trigueiro, mais alto que baixo, fino e sucado de carnes, bem lançado, tirado das canelas. Tem no rosto perfeito, que a patine do sol e do vento recrestou, dois olhos vivos, muito vivos, destes que olham a direito, com insistência, quási impertinentes. E sobre o lábio um buço leve de guias arrebitadas. Pulsa-lhe a agilidade no corpo musculoso. Nado e criado lá pela Beira marítima, entre a Estrela e o Mar, conjuga em si as duas graças portuguesas — a serranil e a marinheira.[…]
Com que olhes hão de olhá-lo as moças da sua terra!…
Adivinha-se ali um jogador de pau. Um destes faias da aldeia, lestos e atrevidos, que armam o reboliço numa feira.
E como é seco, esbelto, ardido, airoso, não lhe vai mal, por minha fé, aquele nome de Esgalhado. Enfim um destes puros sangues lusitanos, já tão raros, estatuado pela força da terra e pelo sonho ardente das mulheres, e cuja maquette devia figurar num museu étnico”
“Memórias da grande guerra” – Jaime Cortesão 1919
Francisco tinha Maria os seus vinte e três annos —em que n’uma romaria se en- controu com um gentil rapaz de Santa Eulália de Barrosas, e sentiu, pela primeira vez, palpitar o coração com desusada força.
Era Francisco o mais guapo moço, jovial cantador ao desafio, destemido jogador de páu, e habilidoso carpinteiro, de todas aquellas cercanias. Sò tinha um defeito… Era um mãos-largas, vintém ganho —vintém gasto!