Contra os caceteiros

Os caceteiros, eram homens pagos para bater noutros por motivos políticos. Não eram no entanto, guerreiros, como os clássicos mercenários, que davam a vida na batalha, mas cobardes, que a troco de dinheiro batiam em gente geralmente indefesa, com o objectivo de causar terror e calar os opositores de quem lhes pagava.

O caceteiro e o jogo do pau nada têm a ver, pois nunca se conta historia de um caceteiro a lutar bem com a o seu cacete, pois bater em alguém desarmado nada custa, não requer arte, e o jogador de pau, tem sempre um adversário à altura, com quem se debate de igual para igual, ou mesmo contra vários adversários.“A honra exigia um combate frontal, de homens que se olhavam e mediam nos olhos”

Várias são as histórias na literatura que nos contam a honra do lutador de pau, que não ataca quem não trás vara, que defende o seu próprio adversário quando este mostra valor, por isso, vamos aqui defender os valores do “puxador” português, contrastando-o com a cobardia de alguém que simplesmente bate com um cacete.

E para que tal não se perca da memória, e que se continue a praticar o jogo do pau como arte de combate, e não de cacetada, fica aqui uma antiga mas boa explicação do que é o caceteiro.

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“Caceteiros miguelistas a confrontarem homens desarmados” 

“Digam lá o que quiserem políticos, e casuístas, que é tudo quase a mesma raça, escrevam quanto lhe lembrar os jornalistas, e os que o não são, ralhem muito os que perdem, que são poucos, com as novas tendências sociais, e queixem-se os que lucram, que são todos, do pouco que se conquista polegada a polegada nesta santa cruzada do progressivo melhoramento social, a verdade é que a civilização caminha incessantemente, e não há fechar-lhe as portas; se lhas fecham, faz pé atrás  e arromba-as! 

Pois bem: se isto assim é, a geração que nos suceder há de ignorar a significação de muitos termos, que aliás hoje são entre nós vulgares, e trivialissimos. É necessário deixar-lhos explicados com bastante clareza para auxilio dos futuros cronistas, e dos Santas Rosas de Viterbo, que a providencia lá tem no seu grande reservatório para compiladores de glossários de palavras antiquadas.
(…)

É o que há-de acontecer com a palavra caceteiro, se nos não mente a confiança que temos no bom senso português  e na constante, e severa aplicação dos bons princípios  assim haja quem os aplique, e quem lhes possa sofrer a aplicação!

Com efeito ou quanto se nos tem dito a respeito de progresso, e civilização  são refinadas mentiras, ou há-de chegar um tempo, e não muito distante em que não seja possível compreender como alguém se lembrou de introduzir uma ideia pelo método da maceração da carne, da fractura dos ossos, ou pelas fendas abertas no crânio por uma bem puxada bordoada de cacete! 

Se escrevermos a historia do nosso tempo, e contarmos, como é de razão, que houve um período em que a justiça dos princípios se provava à bordoada, que aos espíritos  que a não compreendiam se lhes ajudava o engenho com uma boa sova de pau, que o pensamento imanifestado, e mesmo oculto, e apenas imaginado atraia sobre a vitima a correcção daquele grande silogismo de carvalho, talvez não queiram acreditar-nos!

Pois filosofem como quiserem os críticos futuros; o caso foi verdadeiro, e por vergonha nossa passou-se nesta terra portuguesa no século décimo nono!

Porém a incredulidade, que a narração de tais sucessos deve produzir, aumentara quando a história acrescentar, que pelas mesmas mãos em nome de diversas causas se produziram os mesmos efeitos! Caceteiro chegou a ser oficio como aguadeiro, barbeiro etc.

O caceteiro não tem opinião politica: é um homem corrompido, e devasso, sedento de ouro, e de licença, que espreita nos olhos de quem pôde conceder-lhe uma destas coisas ou ambas o sinal de extermínio  que ele sabe adivinhar com um instinto prodigioso. Que reine o sr. D. Miguel, ou a filha do sr D. Pedro, que o governo seja absoluto, ou representativo, que o sistema governamental seja rigoroso, ou indulgente, que os ministros sejam honrados, ou prevaricadores,  o caceteiro está pronto a castigar a opinião vencida, a atacar cobardemente o desgraçado, a tirar-lhe mesmo a vida, se tanto for necessário! 

A causa, que sucumbe, pôde contar o caceteiro no numero dos seus inimigos, mas o mesmo, o mesmíssimo homem com o entusiasmo do partido abandonado ainda quente da vespera, porém com o braço vigoroso de actualidade  e com a cabeça fervente dos santos princípios, que se incutem a pau.

Crê ou morre, diziam os turcos aos cristãos, mas se as meias luas ficavam humilhadas diante do sinal da redenção quem viu o soldado turco voltar a Fez, entrar na mesquita, degolar os crentes, ou pôr-lhes o alfange aos peitos para que adorassem o Crucificado? Ninguém.

Pois isto, que os turcos não faziam, fazemo-lo nós, profetas da civilização  bárbaros de nova, e danadissima espécie!

E louvado seja Deus, neste negocio ninguém pôde dizer a seu irmão racca: todos os partidos tem culpas no cartório, e grandes, enormíssimas.

Nunca apetecemos poder de nenhuma espécie  mas se o tivéssemos cobiçado pleno, forte, e sem limites, seria para enforcar um caceteiro em cada terra onde os houvesse, como o marquês de Pombal fez aos ladrões entre as ruínas do celebrado terremoto.

– Em quanto for possível espancar um homem, porque a combinação das suas ideias, dos seus interesses mesmo o dirigiu neste ou naquele sentido politico, o grito de viva a liberdade é uma solene mentira, uma destas burlas indecentes, que se podem fazer a um homem mas que a uma nação nunca se fazem impunemente.

E o mais é que ninguém tirou ainda até hoje proveito de semelhante sistema; pelo contrario; governo, que tolerou os cacetes, que imaginou inspirar confiança, estabelecer o credito, e firmar a ordem a pau  enganou-se, e caiu miseravelmente: autoridade que os não castigou, incorreu na indignação publica, particular, que os incitou, ou premiou, tarde ou cedo veio a ser vitima deles.

Mas digamo-lo também para consolação dos verdadeiros crentes, dos que acreditam de boa fé na força da sã, e inconcussa doutrina da liberdade, e da ordem, em Portugal todos os homens bem educados detestam os caceteiros, e Lisboa, estamos em que já não os suportaria nem assalariados nem oficiosos; se pudesse ainda suporta-los, se tantos anos de educação liberal não tem produzido ao menos aquele resultado, então…. então que?

Cuidavam que desesperávamos da possibilidade pratica dos bons princípios  Enganam-se, desesperariamos dos homens, e não teríamos menor razão para lhes applicar a exclamação, que o servilismo do senado arrancou ao próprio Tibério  homines ad servitutem paratos.”
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“Roberto Valença – Romance” António Augusto Teixeira de Vasconcelos (1848)

Cercado, numa praça, campo ou rua.

Regra de combate em inferioridade numérica, em manual de esgrima do século XVI de um autor natural de Santarém.

Bastante similar ao que muitos grupos de jogo do pau fazem, na pratica do jogo do meio.

 “Arte de Esgrima”, Domingo Luís Godinho – 1599

“10ª Regra – Cercado, numa praça, campo ou rua.

É preciso ter muita agudeza, agilidade e um grande brio, quando numa batalha nos encontramos cercados de adversários.

Logo, celeremente segure o montante*1 pela forma da 3ª Regra*2, e, estando no meio deles, com os joelhos dobrados, a cabeça direita, fixado no pé esquerdo, corte um talho*3. Seguindo com o pé direito, corte outro talho, de forma a ir andando de lado, ora sobre o pé esquerdo, ora sobre o pé direito, e vá dando talhos em roda viva, cingindo todo o corpo em roda com o montante. Dá-se a cada passo um talho, que poderão ser até três ou quatro, mas que não devem passar de cinco, pelo perigo que há em desfalecer a cabeça. Acabados estes passos, dados com talhos, volta-se para o lado em que se começou, com outros passos, desta vez dando revezes*4. Da mesma forma que os talhos, dá-se um revés em cada passo do pé, rodando todo o corpo com o revés.

É de notar que quando se segue rodando, com os ditos golpes, os pés deverão ser colocados com segurança, e mais, devem ser colocados direitos, estando sempre um ou outro fixo, e andando com o corpo sempre muito direito. Com a cara, ora olhando para um lado, ora para o outro. E desta forma, ora com passos de talhos, ora de revezes, a um lado e a outro, se dará tantos passos enquanto dure a batalha.

Adverte-se, que se se estiver cercado em campo aberto, os passos não devem ser dados sempre ao mesmo lado, volta-se ao sitio onde se começou, mas continuando a dar passos, ora a um lado ora a outro, fazendo todo o circuito numa roda.

Se for o caso de se estar numa rua larga, neste caso devem-se dar passos a um lado e ao outro, e é de advertir que não devem haver pontuadas.

Caso haja necessidade de romper o esquadrão inimigo que nos cercou, dever-se-á carregar, com passos, sobre a parte onde se vir maior fraqueza. E aproximando-se com um brado para fora, juntamente dar-se-á uma ponta com as unhas para cima, um grande salto em roda, e no fim da ponta, um talho e um revés. Estando de fora, pode-se aproveitar para fazer a 9ª Regra.

Como aviso, quando se está cercado, deve-se sempre carregar ao lado onde os adversários tiverem mais força.”

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1- Espada grande, que se segura a duas mãos, geralmente com um pouco mais de metro e meio.
2- Guarda alta do lado direito da cabeça, com a ponta para trás.
3- Pancada enviesada pela direita.
4- Pancadas enviesadas pela esquerda.

Texto adaptado para português actual.

Para saber mais sobre o autor e a esgrima Ibérica antiga, consultar http://www.spanishsword.org

“Arte de Esgrima” – Luís Godinho, 1599 – Editado recentemente por: http://www.ageaeditora.com/

Conspiradores Monárquicos de varapau

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“Photografia de alguns valentes portugueses, pertencentes à coluna(…) do glorioso nome portugues. Viva D. Manuel II”
-Ilustração Portuguesa N338 – 12 Agosto 1912
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-Acontecimentos no ano de 1911
Noticiavam os jornais que, em Felgueiras, magotes de indivíduos empunhando espingardas, foices e varapaus entoaram «vivas» à Monarquia e a Paiva Couceiro, seguidos de «morras» à República, e hastearam a bandeira azul e branca na Câmara Municipal.
-Fonte:Douro press-As incursões dos “couceiristas” no Minho e Trás-os-Montes Por Manuel Dias, jornalista e escritor
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Apesar de se encontrarem suspensas as garantias individuais e ter sido declarado o estado de sítio em 13 de Dezembro de 1916, na sequência da tentativa de golpe liderada por Machado Santos, os monárquicos da Mamarrosa, armados de varapaus e espingardas, eram acusados de, na noite de 1 para 2 de Janeiro de 1917, insultar os republicanos e soltar “avinhados vivas à monarquia”. O instigador-mor era mais uma vez Armando Simões Gapo, “ridículo galopim às ordens do chefe monárquico Sereno de Bustos”

A pretexto do 9 de Maio de 1920: achegas para o ambiente em que se gerou a freguesia de Bustos – Carlos Braga – 2010
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Grupo de «Trauliteiros»

monárquicos revoltosos que assolaram o norte do país durante a intentona monárquica de 1919 (a “Monarquia do Norte”). Fotografados no exílio em Espanha (a fotografia foi cedida à “Ilustração Portuguesa” por Luiz Derouet). 03 FEV. 1919.

Fundo: AMS – Arquivo Mário Soares – Fotografias Exposição Permanente
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“A grande maioria dos soldados deste exército improvisado era constituída por civis e eclesiásticos, alheios à organização militar e desprovidos de treino específico. Na sua preparação para combate, na ausência de armamento e de espaços adequados, recorria-se a exercícios feitos «com paus», quantas vezes realizados nos quartos ou corredores das casas que os hospedavam. A maioria dos «combatentes» aliciados, simples trabalhadores agrícolas e rurais e alguns criados, deixara-se guiar pelas promessas de proventos financeiros e de uma vida mais desafogada.”

“Antiliberalismo e contra-revolução na I República (1910-1919)” Miguel António Dias Santos – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
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Vale mais a autoridade de um cavalheiro do que trinta cabos de policia

As romarias são as funções clássicas daquele povo. O pretexto ou causa é a festa de algum santo; há na véspera fogo de vistas com musica, e no dia festa de manhã e de tarde com sermões, e procissão. A ermida ou igreja é cercada por um grande arraial onde estão colocadas em carros pipas de vinho, acompanhadas de barracas nas quais se vendera doces, pão de ló, e no tempo próprio, melancias e fruta. Toda a riqueza de uma lavradeira aparece nestes dias em numerosos cordões d’oiro que lho encobrem o pescoço, e o seio, nos ornamentos do chapéu, e nos tamancos, nas cores pronunciadissimas da saia de chita, no pano fino, e no bordado das roupinhas. Os rapazes capricham no bordado dos grandes colarinhos da camisa, nas cores, também pronunciadissimas do colete, no chapéu novo, e no varapau.

É rara a romaria em que não haja alguma briga, que a força publica, chamada – cabos de policia – não chega quase nunca a pacificar. – Vale mais a autoridade de um cavalheiro, ou de uma pessoa estimada daquele povo do que trinta cabos de policia armados de quanta força lhes pode dar o código administrativo. Nunca os lavradores em desordem se voltaram contra o homem sério, que os foi aquietar, mas contra os cabos… isso são todos, e o código tem sido muita vez fustigado nas pessoas dos seus ilustres representantes.
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“Roberto Valença – Romance” António Augusto Teixeira de Vasconcelos (1848)

Maio moço – Miguel Torga

O infeliz menino órfão que, para defender o rebanho do seu malvado tutor, matou o lobo feroz, transformando-se em herói das aldeias.

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“(…)Os nevões, o nevoeiro e o codo são a bem-aventurança dos lobos. Num desses dias, em que só havia brancura de morte por todos os lados, de repente, surgido não sabia de onde, o Gonçalo deu com os olhos num a abocar-lhe uma cordeira.

O cão de guarda ficara-se na povoação, atrás duma cadela na cainça. Alentado e de poucas festas, era ele que dava paz e segurança ao rebanho, numa vigilância guerreira, simbolicamente representada na coleira eriçada de pregos. Por isso, sem aquela protecção, o mesmo terror que tresmalhou as reses, siderou o pastor. Garanho de frio e de medo, o pobre coitado mal podia segurar no lódão. Bambeavam-lhe as pernas, e o coiro da cabeça queria despegar-se-lhe dos ossos. Mas, subitamente, por mistérios insondáveis da natureza humana, ergueu-se-lhe dentro do corpo acobardado uma onda de coragem. E arremeteu com tal fúria sobre o ladrão, que parecia uma fera a avançar sobre a outra.

– Grande como!  – gritou, a dar solidariedade aos berros da ovelha agadanhada, enquanto levantava o varapau.

Filado à cernelha da churra, o salteador negava-se a largar a bocada. Ágil e teimoso, tentava arrastar a presa e furtar-se aos golpes. O gosto doce do sangue exacerbava-lhe a fome e assanhava-lhe a teimosia. Tanto montava as bordoadas choverem, como nada.- Cabrão! Cada vez mais desesperado, o cacete ia e vinha, numa raiva animada de minuto a minuto pela insólita duração da violência.

– Larápio dos infernos! Impávidos, os montes, numa neutralidade polar, assistiam à 

luta. Nem os comoviam os balidos lancinantes da borrega, nem a angústia do garoto a lutar à sobreposse.

– Não a levas, nem que te danes!

O ímpeto inicial, fruto da espontânea reacção a qualquer desafio que nos é feito, dera lugar a uma serena e voluntariosa consciência protectora. Rei dos animais pela razão, o pastor perdera o sentido do perigo e o terror dele. Agora era um inexorável fiscal da ordem a impedir desmandos.

– Excomungado! Num salto imprevisto, o inimigo arredara-se de uma estadulhada que parecia certeira, e o cajado batera em falso num fragão.

– E esta?

Desiludido com a perícia da emenda, que foi rápida e lhe assentou em cheio no lombo do lobo hesitou. Mas quando se resignou a abandonar a vítima e se dispôs a fugir, o Gonçalo cortou-lhe a retirada.

– Tem paciência: agora ficas aqui! Disse, e redobrou a força das mocadas.- Não pões os queixos em mais nenhuma! Derreado, o lobo arreganhava os dentes inutilmente. Com mais três ou quatro amacios, estava liquidado, com a espinha quebrada, caído aos pés do vencedor.

Calhou ser dia de feira em S. Lourenço, e o Nicolau almocreve, que regressava a casa, dar de chofre com aquele espectáculo: o catraio, pálido de emoção e possuído ainda da fúria vingadora, a migar os ossos do agressor; este, esquadrilhado, a babar a neve do sangue da agonia.

– Com trinta milheiros de diabos! Tu onde arranjaste tanta coragem, rapaz?!

O pequeno limpou o ranho do nariz.

– Filho de quem o pariu! Olhe o que ele fez!

Sem vaidade, singelamente, mostrava a mola que o empurrara – a ovelha morta. O Nicolau, e logo a seguir Dornelo, é que não viam no feito senão a valentia na sua pureza original. Quantos e quantos, em semelhante situação, não teriam dado às de vila-diogo!

E a vida do Gonçalo transfigurou-se. Relatada a façanha, e provada com a presença da bicheza, que percorreu o povoado em procissão, um outro sol iluminou os seus gestos, as suas palavras, a sua solidão. Todos passaram a dar-lhe a dignidade que lhe negavam até ali. Os grandes queriam protegê-lo; os pequenos imitá-lo. A mestra protestou que era uma barbaridade deixá-lo analfabeto; o abade declarou que Ia ensinar-lhe o catecismo; a ração aparecia-lhe dobrada no bornal.(…)”

“Os contos da Montanha – Maio moço” Miguel Torga (1941)
http://www.wook.pt/ficha/contos-da-montanha/a/id/3469019 

Santo António da Neve – “No Sto. António pagas-mas”


Antiga foto da Capela de Sto. António da Neve antes de ser renovada.

Embora os serranos não fossem muito religiosos, cada conjunto de três aldeias tinha uma capela comum no lugar do centro, o maior, onde se realizava a festa e o baile. Nestas ocasiões todos se uniam e comemoravam em festas de índole religiosa.


Poço e Capela de Sto. António da Neve, Lousã, Portugal.

O centro da Serra, local culto religioso e pagão e de trocas comerciais era o Sto. António da Neve, onde era demonstrada a solidariedade da serra. Juntavam-se nove aldeias com Lousã, Serpins, Vilarinho, Coentral, Castanheira de Pêra. Embora que as aldeias fizessem bailes entre si, as outras freguesias faziam bailes à parte; se, durante o ano alguém dissesse “No Sto. António pagas-mas”, isso significava que o jogo do pau iria ser, mais uma vez, uma forma de resolver problemas.

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“Aldeias serranas, que futuro?” – Susana Moita, Lurdes Silva, Catarina Fernandes, Isabel Lopes

Aldeias Serranas:
  

Náufragos na selva

Neste conto, um grupo de náufragos portugueses capturados por uma tribo, concorda ajudar seus captores em importante peleja com tribo contrária.

(…) Pouco antes de romper a aurora já percorrem a mata em total silêncio, e logo surgem à beira de um rio, junto à aldeia inimiga; e tanto se chegam às bordas do dito remanso, distante não mais de cem braças do reduto contrario, eis senão quando saem a campo muitos inimigos prestes para a luta (como se os aguardassem desde a véspera) , formados em dois compactos troços, e se lançam sobre os sitiantes em passo acelerado, do que mui surpreso, pensa João Carvalho refluir para a mata com os companheiros, mas qual. a essa altura vão já engalfinhados Turuna, Cunhambá, Impié, lperó Araruí, Guaiabi e Mairu (nominata completa dos gentios que cativaram os náufragos) e, pese a inferioridade de forças, pelejam com denodo no campo aberto a beirame do rio. Turuna, mostrando toda a chefia de que é capaz, não só se bate com desassombro  mas esforça os comandados, gritando-lhes refrões de estímulo, ao mesmo tempo em que pede aos portugueses o cumprimento da palavra empenhada no sentido de aderirem logo à briga antes que seja demasiado tarde.

Cabe ao bacharel, recém investido no galardão da coragem, pôr cobro à desesperada situação, metendo-se de peito aberto na refrega; e numa trovejante voz que põe em brios os portugueses, ordena, à carga por Santiago, que aqui estamos por brigar e não por apreciar o massacre e perda de nossos liados. A essa destemida exortação saem os quatro a campo, e praz a Deus que tão bem se hajam na investida que logo quebram as fileiras inimigas, pondo metade ao chão com certeiros golpes de varapau, que manejam à minhota, numa destreza desconhecida dos contrários(…)

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“Tratado Da Altura Das Estrelas”  – Sinval Medina (1997)

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=7h1CjwRKW9g?feature=oembed&w=500&h=374]

O jogo do Norte.

Em Lisboa, dá-se a designação de jogo do norte, ao combate contra vários adversários.

Na primeira parte deste video, o CCRJC dá-nos uma excelente demonstração de várias dessas situações de combate, praticadas não em situação real que seria impossível  sem acidentes, mas sob pressão, dada pelos vários adversários que seguram a vara como alvo e que pressionam, aproximando-se e afastando-se.

Assim, criam-se pressões reais sobre quem pratica/está no meio, que se vê forçado a reagir ao ambiente hostil e em constante mudança que o rodeia.

O lutador em inferioridade numérica, não segue uma formula fixa, utiliza sim uma série de ataques simples, mas rápidos e fortes, sob os quais tem um grande domínio,   para manter os adversários à distância. Pois os mais bravos teriam dificuldade em se aproximar dele, sabendo que teriam que se pôr de baixo destes golpes.

Estes dois elementos são essenciais para esta situação de combate, sem a capacidade de reagir dinamicamente, em todas as direcções, às pressões que o rodeiam, o lutador, por mais forte que seja o seu ataque, seria eventualmente apanhado de surpresa num ângulo a que não tivesse atento. Por outro lado, se o seu ataque fosse fraco, acabaria por ser “esmagado” pelos seus adversários  que  não sentiriam necessidade de se afastar.

Para se adquirir estes movimentos, pode e deve-se praticar de forma mais sintetizada  e sequênciada,  segundo uma ordem definida, sem todo o caos que parece haver nesta demonstração, porém, este tipo de prática mais dinâmica, foi o que permitiu manter o jogo do pau vivo como sistema de combate, não preservando apenas os movimentos, mas também a atitude e concentração necessárias a uma situação de combate tão complicada como é a de se estar em inferioridade numérica, desenvolvendo assim, nos praticantes, competências e aptidões que de outra forma não seriam desenvolvidos nem preservados.

José da Costa – Jogador de pau em Angola

Ponte sobre o rio Catumbella. Postal do início do século XX.

Não deixaremos de citar o nome do famoso condenado José da Costa, que viveu na Catumbella neste periodo, como encarregado das passagens do rio. José da Costa era o maior valêntão da Catumbella, e tinha mesmo a fama de ter sido em Portugal o primeiro e mais valente jogador de pau do seu tempo. Veio condenado para a África por, diz-se, ter morto um jogador de navalha, espanhol, com quem tivera um desafio.

Em Catumbella fazia se respeitar e temer de todos, até mesmo dos que eram tidos como os mais valentes.
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“Monographia de Catumbella” – Augusto Bastos, Sociedade de Geografia de Lisboa – 1912

Uma mentira letal

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“O Tio Joaquim”

Conto com cena de combate a varapau.

“Entre os trabalhadores da quinta, havia um chamado António  bom rapaz, é verdade; mas que tinha um defeito, de que se não corrigia. Era mentiroso, como os que o são, e quando o não acreditavam, amontoava juras, qual mais tremenda ou de mais responsabilidade e respeito pai a um homem de bem.

E era pena; porque poucos havia tão laboriosos como ele  Era conhecido pelo— galo da madrugada—titulo bem justificado em vista do se apressava em concorrer ao trabalho: e não poucas vezes os pobres benefícios  que o seu magro pecúlio lhe permitia fazer, vinham a constar, pelos outros e não por ele  muito em seu abono e boa reputação.

O tio Joaquim, conselheiro honorário daquela republica tinha-o repreendido muito; mas aquele maldito sestro não o queria o António perder nem a bem nem a mal. Era o seu senão, que lhe acarretava não poucos dissabores e com o que não pouco prejudicava os outros.

Era num domingo, e depois da missa do dia, no adro da igreja estavam reunidos, em mó, os saloios daqueles sítios que tinham concorrido ao santo sacrifício  De fatos domingueiros, e varapaus ferrados, discorriam pelas novidades do lugar, exactamente como os nossos elegantes à porta do Marrare, ou nas salas do Grémio.

Diga-se a verdade; as Marias e as Joanas não deixavam de influir naquelas reuniões, porque não poucos eram os que ali compareciam levando em mira falar ás suas requestadas, ensaiar requebros, ou ajustar entretenimentos para as horas de sesta ou para as tardes dos dias santos.

O nosso António também não faltava à reunião, e já por mais de uma vez fizera das suas, sem consequências de maior, pelo pouco credito que tinham naquele mercado campestre as notas do nosso caramboleiro.

Havia no lugar uma rapariga que se podia chamar uma perfeição, e que fazia tanta diferença das suas companheiras, como a rosa de musgo das rosas carrasqueiras dos valados.

Era gentil e mimosa,não tinha as cores de saúde  nem aquele acerejado do sol, ou formas robustas e quasi viris da raparigada do campo; mas era mais esbelta, mais pálida  mais clara e com uns olhos tão negros, tão negros, que lhe saiam da alvura do rosto, como dois diamantes negros engastados em esmalte branco.

Vivia arredada e em recato, e não aparecia em arraial ou festa, senão de ano em ano e quase por milagre.

Chamavam-lhe—a fidalga,—e o nome casava tanto com a sua distinção de maneiras e garbo de porte, como o soar das ave-marias com os descampados das serras.

Como já se deve supor, os fragatas da terra tinham pretendido as honras de arrojado; mas debalde, porque os rejeitava, e quase todos doscoroçoados tinham desistido da empresa.

Digo quase todos, porque dois ainda lhe arrastavam a asa, um, (aqui em segredo,) era atendido e bem olhado; o outro, mais feliz, nem falar nisso é bom, mordia-se de raiva pelos desdens que sofria, e pelo pouco em que eram tidos seus requebros e paixões.

A escolha de Emília tinha sido acertada, porque o José da Avó era o mais guapo moço daquelas duas léguas em redor. Desempenado e direito como uma vara de abrunheiro, valente como um pau de carrasco, generoso e de brio, como nenhum: nem o mais pintado lhe levava as alampadas em trabalho de fazenda, em jogos de pau, ou em balaricos de domingo.

E cantigas! Sabia-as ele cantar, como os que as sabem; entoava uma desgarrada ou sustentava um desafio, mais afinado e a preceito do que muitos desses italianos em segunda mão, que os empresários nos impõem como notabilidades cantantes.

O outro pretendente não era muito cheio de não presta: mas ao pé do José da Avó ficava a perder de vista, o que não admira; porque vasados naqueles moldes não havia muitos no lugar. Ele porém, como não queria atender à razão, danava-se jurando pela pele do ditoso preferido.

Este era o estado da questão na manhã do tal domingo, e os dois rivais conservavam-se a distancia respeitosa no meio de dois grupos distintos.

Tinha saído já quase toda a gente da igreja, quando Emília se retirou, sem que lhe faltassem comentários, enquanto passava por meio dos grupos. .

—Olha a delambida, soltou dali uma das raparigas mais feias da terra, parece que vai com o rei na barriga, nem olha para a gente.

—Era o que faltava, a fidalga!

—Vai toda enlevada no seu José, tem medo que lho tirem do lance.

Nisto o nosso António  que não queria ficar atrás  também se intrometeu na conversa, dizendo com modos de quem estava corrente com os mistérios daquele circulo:

— Pois faz ele bem em perder o seu tempo, porque ainda não há muito que vi o Miguel de conversa com ela á porta de casa, e pelos jeitos que a coisa levava, não era a primeira vez que se falavam.

—Ora tu sempre tens uma língua!

—Um raio me parta se minto; tinha-me calado e feito vista grossa, mas agora ferveu-me o sangue quando a vi assim como quem queria deitar lama para a cara da gente.

As palavras de António não tinham caído no chão. José desconfiado, como todos os namorados; estivera de ouvido à escuta e não perdera nem silaba  Noutra ocasião voltaria de certo as costas ao maldizente, mas desta vez mudava o caso de figura: o ciume acreditava a voz do mentiroso e a tremer chegou-se ao pé dele perguntando-lhe com voz indecisa:

—Juras que é verdade o que acabas de dizer?

—Se é! os diabos me levem se minto; eu por mim não queria causar-te nenhuma aquela; mas assim como assim mais tarde ou mais cedo havias de vir a sabe-lo; e, verdade verdade, ela não te merece.

—Basta, lhe retorquiu o pobre José, e foi-se como um raio até onde estava o suposto arrojado.

Inútil é dizer que tinha sido tudo isto enredos e obra de António  Soltára as primeiras palavras como por demais, sustentara o dito por capricho, mais tarde para que não supusessem que tornára com a fala ao bucho por medroso.

Do outro lado do adro uma floresta de paus se levantava no ar, e já as navalhas estavam fora das algibeiras; os dois tinham-se travado de razões, e como palavra puxa palavra, tinham passado dos ditos a vias de facto e malhavam um no outro como se fosse em monte de milho.

Ambos tinham partidários  e por conseguinte a luta assumiu proporções maiores; porém por muito encarniçada que fosse entre os partidos, parecia um brinco de crianças à vista daquela em que os dois se tinham travado. Davam como quem se despedia do mundo, e como quem desejava ver estendido no chão para sempre o seu contrario.

Ao principio arrancaram dos paus e começaram a atirar as primeiras pancadas, que quase todas caíram em cheio; até que Miguel, depois de ter jogado umas poucas de sortes ao seu adversário  e como ambos estavam descobertos e só queriam dar, dissimulando uma pancada à cabeça, lhe dirigiu o pau por meia volta no ar ás pernas. Quando lá chegou já o seu adversário o tinha procurado aparar, porém tanto em mal, e tão puxada d’alma ia a contraria, que o pau colhido no meio, não o aguentou e partiu-se; e o outro não encontrando resistência no corpo de José, porque ele já lho tinha furtado, foi de encontro ás pedras do adro e partiu-se também.

Vendo-se desarmado, Miguel não perdeu tempo: correu sobre o inimigo com uma navalha e baldeou-o logo no chão jorrando sangue por uma ferida no ventre.

O assassino, apenas cometido o crime, tomou as de Yila Diogo, e a desordem começou a apaziguar se com a chegada dos cabos da terra, que tratavam de remover o ferido e de prender os combatentes.

O causador de tudo isto tinha, logo que viu tomar ao caso uma feição que lhe não supusera, procurado cocegar o motim, confessando a sua mentira, porém já era tarde, naquelas alturas qualquer intervenção seria inútil  teve pois de assistir arrepelando-se, dizendo mal à sua vida, áquela triste cena, e prometendo, com mil juras que não mentiria nunca mais; ajudou soluçando a levar o ferido para sua casa na maca, que tinham ido buscar, e acusando-se todo o caminho de ter sido ele, e só ele, o culpado de tudo, que sucedera.”

“Os contos do tio Joaquim” –  Rodrigo Paganino – 1861

Início do jogo do pau no Ginásio Clube Português

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1900, atletas ilustres praticantes de Jogo do Pau no Sarau do Ginásio
“Sarau
no
Coliseu dos Recreios
4- Dezº 1900
1- Nuno Infante da Camara
2- Vasco Infante da Camara
3- Luis Infante da Camara”

O Ginásio Clube Português encerra na sua história o peso de mais de 130 anos de existência. É impossível falarmos da história do desporto português sem pronunciarmos este nome que por direito próprio ostenta uma reputação ilustre, fruto de uma paixão sem limites pelo desporto. Pioneiros na edificação de uma cultura desportiva foram criadores de riqueza incalculável para Portugal e para o mundo. Detentores de um longo currículo de vitórias e vitoriosos, o Ginásio Clube Português revela hoje o mesmo carisma herdado do seu fundador, Luís Maria de Lima da Costa Monteiro.

Na época não eram conhecidos os benefícios da actividade física e os praticantes contavam-se pelos dedos de uma mão. As únicas actividades físicas que se conheciam eram os ranchos, a lavoura e o jogo do pau. Só uma pequena parte da burguesia e da nobreza compreendia a sua importância e eram olhados com estranheza por uma Lisboa conservadora.

Inicio do jogo do pau português no Ginásio Clube:
1895 – Transporta para ginásio o jogo do Pau, então só jogado no campo e recintos operários.

1899- Fortes assaltos de jogo de Pau, havendo uso de excessiva violência que levantou ao rubro, a assistência.

http://gcp.pt/gcp/historia/1890-1899

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Um grupo de jogadores de pau do Real Ginásio

Grupo de Jogo do Pau de Artur dos Santos e graduações do início do século XX

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Em 2012, Carlos dos Santos, praticante de esgrima lusitana, aluno do mestre Nuno Russo, participou em competições internacionais de esgrima de bastão. Ganhou em Madrid o ouro europeu e em Carrara o bronze no mundial.

“É Claro que fiquei feliz em conquistar o título mas acima de tudo quis provar aos praticante de modalidades de bastão que Portugal tem valor e uma modalidade própria que tem tudo para vingar no desporto internacional” – Carlos dos Santos