Edital de 7 de Maio de 1785, para acautelar e prevenir os jogos de pedradas, de pau, de espada nas praças publicas, e o das cartas, e os mais prohibidos nas tabernas, lojas de bebidas, etc.”
História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal comprehendendo a história diplomática militar e política d’este reino desde 1777 até 1834. – Tomo 3
É de Quintas Neves, o «Manilha», a quem saltam ao caminho três contendores, chefiados pelo seu rival em amores, para o proibir de põr mais os pés na freguesia.
O caminho, apesar de largo, não lhe permitia, contudo, alargar-se num varrimento capaz de formar terreiro onde pudesse desenvolver um jogo largo, sem surpresas prejudiciais. Optou pelo jogo curto, o jogo da quingosto, bem cingido ao corpo, em movimentos de boa cobertura onda a vara era uma barreira móvel.
No primeiro tempo reuniu os adversários numa só frente, ficando desta forma sem preocupações de cobrir a retaguarda; e ao primeiro que se adiantou, bem quadrado no comprimeiro dos paus, traçou-lhe a defesa num falsete de mestre, que o separou desarmado da contenda.
Os dois restantes, um dos quais novato a quem tinha ensinado alguns rudimentos do jogo, perderam a coragem e já só jogavam processando uma defesa hesitante. Mas o «Manilha», a quem não convinha deixar de visitar a localidade porque gostava a valer da namorada, não queria molhar a vara e, como numa das sua aulas no Souto das Carvalheiras, entreteve-se pardatinamente a cansar-lhe os braços e o corpo em movimentos mais largos do jogo da cruz.
Decorrido pouco tempo, os dois adversários a quem, como ao primeiro, não incitava o ciúme estavam encostados a um dos muros laterais, derrotados e já sem forças, quando um largo vira-costas de amplos movimentos circulares, o atacado se aproximou procurando num sarilho, em que era eximio, atordoar os dois antagonistas. Não foi preciso mais: os dois num movimento unanime, hirtos, contra a parede, atiraram aos pés do Afonso os seus varapaus, ficando, de braços cruzados, á espera da reacção do considerado jogador.
Esta não se fez esperar: num salto ligeiro, recuando cerca de dois passos, juntou, num gesto cheio de nobreza, a sua vara à dos dois vencidos, e assistiu, em posição e atitude de calma simpatia, à retirada dos dois, cabisbaixos e curvados….
Festividades ciclicas em Portugal – 1984 – Hernesto Veiga de Oliveira
N’essa noite da minha apresentação vi esgrimir muitos jogadores, mas as attenções concentraram-se todas nos dois últimos, que eram os seus mais notáveis discipulos.
Estão ambos mortos, mas um d’elles, Farinha, empregado na Alfandega, só tive o prazer de o vêr jogar duas vezes.
E digo prazer, porque é realmente um espectáculo extremamente agradável o de dois luctadores da mesma força, ostentando todos os seus recursos e os da arma que manejam, com a maior facilidade, certeza e elegância, nas posições e nos movimentos – jogando durante meia hora, sem um leve toque, e com os golpes apenas indicados pelo gesto! Isto, feito com o pau – arma pesada e d’alcance – ainda mais provoca e justifica a admiração.
O outro contendor era Pedro Augusto da Silva — empregado no Ministério da Fazenda, o introductor e primeiro mestre d’esta esgrima no Gymnasio Club de Lisboa, onde deixou a tradição do mestre – e que foi, durante os últimos annos, o prévôt effectivo da escola de José Maria. Já se vê, portanto, que devia ser interessantissimo o prélio, em que os dois adversários se empenharam; sobretudo para mim, que nunca assistira áquelles assaltos, e que ao principio receiava a todo o momento vêr um braço quebrado ou uma cabeça partida!
Nada d’isso, porém, aconteceu, e quando elles, apontando os paus para a terra, fizeram as cortezias finaes e cumprimentaram a assembléa — esta applaudiu-os calorosamente. Ambos se tinham mostrado cortezes na lucta, rápidos e certeiros no ataque, previstos e firmes na defeza (…)
Discipulos do mesmo mestre, e ambos da mesma geração, representaram, no meu entender, os dois estylos, as duas maneiras d’esta esgrima. Farinha, uma cabeça antiga, com o cabello rente, a barba toda, e a expressão um tanto severa, era – se assim o podemos chamar- um clássico. Pedro Augusto, com o bigode negro, a cabelleira crescida, o olhar movel, e o gesto um pouco brincão, era romântico.
Aqui, como nas lettras, como em tudo, no estylo via-se o homem. O jogo de Farinha era académico, o de Pedro Augusto pendia para o pittoresco, era mais brincado, mais ligeiro, mais alegre. Assim devia ser, porque de todos os primeiros, que conheci, era elle o que dispunha de menos força physica, e então soccorria-se da agilidade, que, graças ao constante exercício, conservou até ao fim da vida. Era um pasmo vêr como elle, com muito mais de sessenta annos, fraco e achacado do peito, ainda saltava, na sala do Gymnasio, á compita com os seus discipulos, rapazes de dezoito e vinte annos! Para professor dar-lhe-ia eu a preferencia, mas n’um assalto, com um jury sério, o jogo de Farinha teria talvez maior numero de votos. Este era duma correcção absoluta, um verdadeiro primor d’arte todo o seu conjuncto! Um modelo raro, para a illustração d’um livro, d´um tratado especial! Que perfil o de toda a sua figura! que firmeza de posição, que rapidez, e que segurança nos movimentos, no avançar, no recuar, no ataque e na defeza! Annos depois tornei a vêl-o jogar — já doente — Farinha ainda era o mesmo impeccavel artista!
Dir-se-ia uma estatua em movimento, se a estatua podesse dar-nos a impressão real da vida!
In 3 articles about jogo do pau, published in 1883 in the newspaper “Diário da Manhã” and later, in 1906, in “Lisboa Moderna”, Zacharias d’Aça describes some of the jogo do pau masters and fencers of the 19th century in Lisbon, wich he meet and seen in “action”. In this translated fraction of the article he talks about Farinha and Pedro Augusto da Silva.
“In that night of my presentation, I saw many players fencing, but the attentions gathered towards the last two, which were the most notable disciples.
They are both dead now, but one of them, Farinha, a Customs employee, I only had the pleasure of seeing him fence twice.
I say pleasure, because it’s really a very pleasant spectacle to see two fencers of the same strength, boasting all the resources they and the weapons have, with the greatest of ease, certainty and elegance, in the postures and movements – playing for half an hour without a light touch, with hits just indicated by the gesture! This, done with the staff – heavy weapon of long reach – further provokes and justifies admiration.
The other contender was Pedro Augusto da Silva – employee at the Ministry of Finance, the introducer and first staff fencing master of Gymnasio Club in Lisbon, where he kept the tradition of the master – and was during the last years, the Prevot of José Maria da Silveira’s school. By that we can have an idea of how interesting the contend would be, especially for me, who never attended those assaults before, at all time, I feared to see a broken arm or head!
None of this, however, happened, and when they, lowering the staffs point to the earth, made the final courtesies and greeted the assemblage – they were warmly applauded by the audience. Both had been courteous in battle, quick and accurate in the attack, confident and firm in the defense.
Disciples of the same master, and both of the same generation, they represented, in my understanding, the two styles, two ways of this fencing. Farinha, with short hair, a full beard, and somewhat stern expression, was – if we can say, a classic. Pedro Augusto, with a black mustache, long grown hair, a quick gaze, and more playful in his moves, was a romantic.
Here, as in the letters, as in all things, in the style we could see the man. The play of Farinha was academic, Pedro Augusto was more pittoresque, merrier, lighter, more cheerful. So it had to be, because of those I knew, he was the one with less physical strength, and had to compensate with agility, which, thanks to constant exercise, he retained until the end of his life. It was an amazement to see how he, with more than sixty years, with a weak and feeble chest, still jumped in the room of the Gymnasio, with his disciples, boys of eighteen and twenty years! For teacher, I would give him my preference, but an assault with a serious jury, the play of Farinha would perhaps collect the largest number of votes. His moves were absolutely correct, a true masterpiece in all his conjuct! A rare model, for Illustrating a book, a special treaty! What a profile, his entire figure! that firmness of posture, that speed and security in the movement, in advancing, in retreating, in attack and defense! Years later I’ve seen him fight again – already sick – Farinha was still the same impeccable artist!
Could call him a statue in movement, if a statue could give us an impression of real life!”
Descrição de jogo do pau praticado numa romaria ao mesmo tempo que esgrima com espada preta, em versos do sec. XVIII.
Aqui, o soar da Lambada não se trata de um ritmo latino que surgiu por volta de 1980 no Pará, mas sim do forte e característico som resultante do bater de vara com vara.
“Xegada estava entaõ uma romagem
Dia de Pentecoste, onde Coimbra
Em pezo aos Olivais sair costuma.
He esta uma função das mais luzidas
Daqueles arrebaldes; ali entra
Tudo o bom, e bonito, e ali se encontra
Todo o recreio de qualquer espece.
Veemse ali jacozissimas Comedias
No amplo teatro do arraial vistozo.
Veemse as Trajedias de orroroso aspéto
A sena ensanguentarem, D’uma parte Esgrimese com ansia a espada preta, D´outra em jogo de páo soa a lambada.
(…)”
“Santarenaida: poema eroi-comico” de Francisco de Paula de Figueiredo (1792)
O Padre Casimiro, numa carta ao Rei D. Carlos, datada de 12 de Maio de 1874, propõe uma forma de utilizar um género de lança improvisada feita a partir de uma foice roçadora, utilizando uma técnica baseada no jogo do pau. Referindo que esta proposta já tinha sido pensada por um militar, o Sr. António Joaquim de Barros Lima, oficial em várias guerras desde 1828.
(…) Proponho ultimamente à consideração de Vossa Majestade (…) E consiste ela em armar de revolver e roçadora uma ou duas companhias em cada batalhão, para substituírem a cavalaria, e baterem-se com ela, e, principalmente, para nas cargas a ferro frio decidirem as batalhas com mais rapidez e segurança que os botes da baioneta.»
E explica :
«A roçadora é a mesma foice de podar as vides, mas com ponta aguda na direcção das costas, do tamanho de meio palmo acima dela, para poder cortar para o lado, e espetar para a frente, encabada em um pau da altura de um homem, como a figura aqui desenhada ao lado.
O manejo desta arma é o mesmo do jogo do pau, pegando-se dela com a mão esquerda, e com a direita no meio dele para o lado da foice, ficando o ombro direito em frente com o inimigo. Para saber o manejo dela basta aprender a dar um passo para a frente e para a retaguarda, já por um lado já por outro, dando de cada vez, junta com o passo, uma volta de roçadora em redor do corpo e por cima da cabeça para se cobrir das pancadas inimigas, como no jogo do pau quando se faz varrimento; e acrescentando em cada passo, quando o ombro direito fica para o inimigo, uma pontada para a frente ou para ele.
Um qualquer dos vossos Navarros, armado de roçadora, e estando bem convencido da firmeza, serventia e efeitos desta arma, pode arrostar com cem republicanos, nas cargas a ferro frio, e até com os cavalarias ou lanceiro, devendo procura-los sempre pela esquerda ou frente do cavalo, por que por uma e outra parte alcança pouco tanto a espada como a lança, e o rocêna pode espetar o cavalo pelo peito, ou cortar-lhe as pernas, ou os queixos, ou as rédeas.»
(…) Nesse jogo «a matar» não havia que observar regras, todos os meios e golpes se usavam, e a maestria constituía somente uma garantia maior de vencer.
Mas existia uma espécie de código tácito de honra, que os bons jogadores seguros de si – e de um modo geral as pessoas bem formadas – não deixavam de cumprir e que exprimia o próprio valor do jogo.
Não se atacava o inimigo que não levasse pau: Quintas Neves mostra o «Manilha» atirando o seu pau para o chão depois de com ele ter desarmado e desmoralizado totalmente três adversários que lhe haviam saltado ao caminho.
E ouvirmos a história de um grande jogador do Porto, o Carvalho, feirante de gado, que na «feira dos 26» em Angeja, perto de Aveiro, depois de se ter aguentado sozinho contra todos os que ali se encontravam coligados, tropeçou e caiu ao chão; então o mais forte dos seus adversários saltou para cima dele em sua defesa, intimando os demais a não tocarem no valente, sob pena de terem de se haver com ele.
Festividades ciclicas em Portugal – 1984 – Hernesto Veiga de Oliveira
Os transmontanos, que comem pão de centeio, os minhotos, que comem pão de milho, até na malquerença são leais. Erguem o varapau á luz do sol, para que se veja bem, fazem-no zenir na esgrima, para que todos oiçam, e só depois se julgam autorizados a desmiolar a cabeça do adversário.
É a força, a coragem, a nobreza do duelo: aqui vou eu; defende-te lá.