Jogo do pau in Gothenburg

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Picture taken on the first gathering for the practices of Jogo do Pau de Cepaes, October 23rd in Gothenburg.

Among us where representatives from several fighting arts and schools and it was the first among many coming gatherings to keep one of the few existing european martial arts traditions alive.

“…But lets work from the thesis that Mestre Avelino said that night on the parkinglot, or maybe how I understood him when I was drunk as fuckshit:

`The duell only happens when the group has failed its main job, namely to work as a group.`

From this we can read that the true martiality in JdP is that every single Jugador knows how to work in a group FIRST and that the duell, the Contra-jogo, is a last resort.

We can also read from this that every Jugador knows how to handle and recognize impossible odds, and the mercilessness in being completely left alone in the role as Batedor. Because the Picadores will not challenge you one by one and risk themselves, they will stress you as group and force you to move so that you get tired and must give up.

And from that we learn that no man will risk his own life if it is possible to drain his enemy of stamina and then capture or kill him with less effort.

It is a lesson that needs to be learned, that you are doomed without your group.

Therefore this is true when we train:

We are friends. But we are not friends.”

-Jogo do Pau de Cepaes, Nicolas Gallardo
Göteborgs Frifäktargille
Halmstad HFS
Malmö HFS

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Uma Tragédia na Caça

(conto completo em https://archive.org/stream/caadasportugue00aauoft#page/170 )

— Espere, que eu já lh’a dou — e dizendo isto o guarda correu à casa. O doutor seguiu-o, mas poucos passos tinha dado, no pequeno terreiro que a defrontava, que já o homem estava de volta, com uma foice roçadora, e arremetia contra ele, atirando-lhe estas palavras:

— Tome lá a perdiz — acompanhadas dum golpe temeroso à cabeça — uma pancada redonda — como lhe chamam no jogo do pau, e que dada com uma foice é sempre mortal.

João de Bettencourt conhecia todos os segredos daquele jogo. Nas suas visitas a Salvaterra frequentara os melhores jogadores do Ribatejo, aperfeiçoara-se em Lisboa, na escola do celebre José Maria, o Saloio, e nos lugares por onde passara tinha deixado recordações da força do seu braço, da sua destreza e agilidade. Deu um salto à retaguarda, e a foice passou-lhe, como um relâmpago, diante dos olhos.
Cresceu o outro sobre ele, e atirou-lhe o segundo golpe também atravessado, que não o alcançou, e ao terceiro, de ponta, o doutor, furtando o corpo, desfechou. . .

O estrondo do tiro confundiu-se com um grito: o malvado caiu. Estava morto!

“Uma Tragédia na Caça” – Zacharias d’Aça, 1898.

Tuna Cepanense

Demonstração de jogo do pau da Tuna Cepanense

Escola de jogo do pau do Mestre José Quéo –  Fafe, Portugal.

As arrecadas

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No outro dia, manhãzinha cedo, havia de o Neto marchar para a feira, com os dois novilhos à soga.

Os animais eram galhardos, escorreitos e sãos, benzesse-os Deus; de dez moedas para riba com certeza davam. E o Neto’ botava já contas à vida no destino daquele dinheiro: — três para a décima, quatro para emprestar a juros de um alqueire cada, e as restantes, com essas compraria as arrecadas da filha.

Ai! as arrecadas! Até que enfim, a Adelaide ia ter umas arrecadas; e só de lhe lembrar o alegrão que a cachopa sentiria ao ver as ricas argolas de ouro,  enramalhetadas e lindas, já todo se consolava o pai.

— Tu como as queres, cachopa?

De qualquer geito ela as queria; como fosse da vontade de senhor pai…

— Grandes, hein ?

— Sim, ele sempre será melhor.

Não mostrava muito empenho — sempre seria melhor… Mas os seus belos olhos luziam já, como se estivessem vendo ali bem perto, ao alcance da mão, os enormes brincos, de um lavor complicado, com florinhas em relevo, e sua pedra de cor viva, a dar-lhes graça.

O pai desejava, porém, informações miúdas e precisas; não fosse ele, na sua ignorância, comprar coisa fora dos termos.

— Pintalgadas, hein, que te parece?

Parecia-lhe que sim. Uns “não me esqueças” pequeninos em toda a volta, ficariam a calhar. E numa palavra — o senhor pai que visse bem se lhas podia, arranjar iguais ás da Teresa. Lembrava-se ?

Sim, tinha uma lembrança, não havia duvida.

— Pois, está dito, como as da Teresa: grandes, bem trabalhadas e com florzinhas. Dito.

E festejando-lhe a bonita cara com a mão calosa e larga, deu as boas noites.

Caminho do quarto, fez ideia da impaciência em que o esperaria a filha no dia seguinte, das vezes sem conta que ela iria à janela a ver quando o lobrigava na volta da estrada, ao longe, entre os dois grandes pinheiros mansos.

— Presunçosas, presunçosas! — dizia baixo — Que ele também se a presunção fosse tinha…

E pegou a despir-se para se meter na cama. Mas a voz da filha ouviu-se fora.

— Senhor pai, olhe…

— O que é rapariga?

— Se me comprasse também uma caixinha prás arrecadas…

— Compra-se a caixinha, fica descansada.

-Olhe.

— Hein.

— Se eu fosse consigo ?…

— Hom’essa! E quem há de tratar da obrigação?

— Falava a alguém.

— Tens medo que me roubem no caminho?

E largou a rir.

— Cá de mim, não. Mas…

— Nada, fica, fica. Aquilo não é romaria; não há lá danças. Negócios, tudo negócios. Mulheres não andam pelas feiras.

Ela suspirou, tinha grande vontade de ir. Mas, enfim…

— Boa noite, disse desconsolada.

— Boa noite.

* * *

Mal o dia rompeu, logo o Neto desceu à corte, a aparelhar os novilhos. Passou-lhes a soga nos chifres, tirou-lhes com cuidado a poeira do pelo;e depois de ir buscar atrás da porta a aguilhada de marmeleiro, passou os dedos no ferrão a ver se estava agudo, botou a jaqueta ao ombro e partiu, acenando aos novilhos que o seguiram aos saltos.

A feira ficava longe, num soito largo, onde castanheiros velhos e enramalhados punham na relva fresca enormes manchas de sombra.

Havia um grande chocalhar de campainhas: os vendedores passeavam os animais, encarecendo-os e gabando-lhes a boa andadura, o ensino apurado, a submissão e a valentia. Discutiam-se defeitos, falava-se com ciência em névoas dos olhos, nódoas nos dentes, – peito aguado, má boca ou mau trabalho.

Sobre pedras, alguns vendedores tilintavam uma a uma, punhados de libras, cuidadosamente, verificando se eram das boas. Morgados e ricaços, de esporas e chibata, botas altas de montar, passavam devagar, cumprimentando popularmente em grandes mãosadas, apreçando os bois, com grande ar de entendidos. Um abade — troquilha, de chapéu largo, jaquetão comprido e cigarro na boca, tentava manhosamente, num contracto retórico, impingir aos fregueses uma égua escanzelada e velha.

Palrava-se muito: em grupos havia mesmo ralhos, palavras feias, princípios de bordoada grossa.Junto ás pipas, decilitrava-se, em saúdes, por grandes malgas vidradas.

O Neto chegou tarde; mas em volta dos novilhos armou-se logo uma roda de compradores. Alguns arrebitavam-lhes o beiço para ver a idade, miravam-lhes bem as patas, comentando a perfeição dos cascos. O que ali estava à vista de todos (o Neto o afirmava) era trigo sem joio: animais de uma cana só.

— Quanto quer p’los bichos, ó tio ?

Dez moedas ; era o preço.

— Puxadote, hein? puxadote.

E remiravam ainda, separadamente e miudamente o corpo de cada animal, passando-lhe a mão por todo o comprimento do lombo, ameigando-o com pancadinhas doces. A junta despertava interesse.

— Diga lá a ultima palavra, a ultima.

O Neto declarou que a ultima palavra era — dez moedas. Nem mais nem ontem. Nunca fora homem de regatear; nada, isso era bom para ciganos.

— Nove moedas, toma lá dá cá; escusa de ir mais adiante…

E faziam já menção de rapar do bolso as nove moedas, e contar-lhas ali num pronto.

— Por menos de dez ninguém mos leva.- É escusado.

— Nove e meia.

— Nada.

Mas pessoas, em volta, metiam-se no contraco. Verdade, verdade, seu Neto. Nove moedas e meia era um bom preço ; não senhor, era um bonito preço.

Altercou-se; alguns iam-no agarrar, arrastavam-no fora do grupo, falavam-lhe devagarinho ao ouvido. Que diabo, homem, a oferta não era de desprezar. Visse bem que eram nove moedas e meia — dez libras e seis tostões ! Era um alto negocio, um negociarrão!

Outros segredavam-lhe amigavelmente nue não cedesse; o outro chegaria ás dez. Estava encantado com os animais.

Mas um vélhote chegou. Pediram-lhe o parecer.

— Dez moedas é de mais, você que diz ? perguntou o comprador. — Eu até ás nove e meia ainda dou.

O velhote adquiriu maneiras de juiz, prestes a julgar uma causa celebre. Pediu fogo a um deles, acendeu pachorrentamente o cigarro.

— Então você quer dez moedas ?

O Neto acenou com a cabeça.

— Você (para outro) dá as nove e meia?

— Saltadinhas.

— Pois ai vai o meu conselho; vende-se os bois p’las dez menos um quarto, e o outro quarto vai-se beber de vinho, em súcia.

— Aprovado.

— Dito.

Contou-se ali o dinheiro, e foi-se beber o quarto em súcia.

Depois o Neto partiu; tinha umas coisas a fazer; tinha que tratar dos negócios, deixou ainda os amigos discutindo de malga na mão, em volta de uma pipa.

Abalou para o lado dos ourives; correu-os todos, de cabo a rabo, analisando bem os brincos pendurados em cartões verdes à volta das barrancas, ou metidos em caixinhas, por cima dos mostradores.

Custava-lhe o decidir-se; por fim, um tanto namorado por dois ricos argolões, fortes e caprichosamente floreados, perguntou a medo o preço.

Veio avia-lo a mulher do ourives, uma senhora alta, gorda e loira, de mãos finas e brancas, bonitos modos, falas muito doces; a sua voz tinha um tom estrangeiro, carregava muito nos rrs.

— Os lindos brrincos custam ao sinhorre trreze mil réis.

— Não faz um abatimentozinho ? aventou o Neto, vagamente.

— Não sinhorre, não pode serre menos.

E convencia-o com argumentos brandos.

— Eu pode venderre outrros mais barratos; mas estes são bons. Muito na moda; muito bons.

Então, tirou da algibeira a bolsa e pôs-se a contar o dinheiro; queria também uma caixinha, daria mais a mais alguma coisa se preciso fosse.

Ela arranjou-lhe uma caixa preta de forma triangular, meteu-lhe dentro as arrecadadas, cobriu-as preciosamente com frouxel branco.

— Pronto.

E com um gesto gracioso apresentou-lhe amavelmente a caixinha; ele pagou sorrindo. Pediu ainda um papel para embrulhar, e sepultou com cuidado os brincos na algibeira de dentro.

Caiam as trindades quando largou da feira. Ia-se gente embora, puxando os bois à sóga; apenas alguns feirantes meio bêbados pairavam ainda ao redor das pipas.

Estrada fora o Neto de novo pensou na filha. Que alegrão! Botava as mãos ao peito, palpava a saliência da caixa. Era verdade, levava ali a prenda tão cobiçada, há tanto tempo prometida… E adivinhava-a na janela. espiando a estrada, apesar da escuridão da noite, julgando a todo passo vê-lo chegar, subir a escada, atirar-lhe ao regaço as belas arrecadas doiro. A moça por certo ficava doida. Que alegrão, que alegrão!

E alargava o passo.

A noite era negra e silenciosa: raras estrelas tremiam apenas escassamente no azul enevoado do céu; a espaços o piar melancólico dum mocho varava o ar; o vento soprava surdo por dentro dos pinheiros.

O Neto, de mãos nos bolsos da jaleca, varapau debaixo do braço, caminhava.

Perto havia uma encruzilhada de má fama. Diabo! Um pressentimento lúgubre, quasi o fez parar; mas tentou recuperar sangue frio. Ora bolas, que crença medrosa! Pois não queriam ver o homem com receio de passar a encruzilhada? Tinha graça!

E estugou mais o passo, ansioso e ofegante.

Mesmo no sitio em que as estradas se cruzavam, três homenzarrões, de cacete erguido, num pronto o rodearam.

— O’ amigo, poise o que leva!

Ficou sem pinta de sangue. Logo três, Senhor, logo três! Quis fingir-se um pobre diabo, sem dinheiro para lhes poisar, que o deixassem seguir o seu caminho, que o deixassem.

— Vá de cantiga, berram-lhe, pois o que leva!

Pois ele havia de entregar assim, imbecilmente, passivamente, o preço dos seu bois, as arrecadas da sua filhinha?…

— Eu cá de mim não levo nada comigo. . .

— Isso é que vamos ver.

E um dos salteadores adiantou-se, ia deitar-lhe sofregamente a mão ás algibeiras. O Neto recuou dum salto e despediu-lhe rija pancada à nuca; mas um companheiro aparou o golpe; com destreza, e então os três deram de malhar no pobre homem, brutalmente, em cacetadas que o, mediam de ilharga a ilharga, desvairados, furiosos, até que mais certeiro golpe, apanhando-o pela cabeça, deu com ele em terra, exangue, sem sentidos…

Foi um carreiro do lugar, vindo de Coimbra nessa noite, quem o achou na valeta, imóvel, mudo, numa poça de sangue, sem dar cor de si. Carregou-o jeitosamente até ao carro; ali o depôs sobre a palha, que havia crescido da ração dos, bois.

Eram altas horas quando chegaram ao lugar; a Adelaide estava numa aflição, com tal demora. E apenas lhe disseram do ocorrido, largou a gritar, desfazendo-se toda em lágrimas, juntando as mãos num desespero, soluçante, doida de dor.

— Bem me adivinhava o coração, bem m’o adivinhava. Ai meu rico paizinho,que m’o mataram. Galgou as escadas, e ela mesma, com a ajude do carreiro, trouxe o Neto pelo corredor, fora até a cama.

Vieram vizinhos, numa balburdia, solícitos, oferecendo o seu préstimo, todos empenhados em dar o seu auxilio naquela desgraça. Um deles foi chamar o medico.

Afinal, o homem estava apenas desmaiado. Tinha a cabeça ferida em duas partes, nódoas negras em todo o corpo, a cara toda ensanguentada, mas havia de salvar-se. E aplicaram só de pronto mésinhas.

A Adelaide ficou a rezar fervorosamente à beira do leito, com os Olhos no pai. Pela volta da madrugada é que ele se voltou debaixo da roupa.

— Ai, és tu, cachopa?

— Senhor pai! E beijou-lhe as mãos.

— Moeram-me de pancada… Por pouco me não mataram.. Roubaram-me…

Teve um suspiro fundo, que o abalou todo e fez torcer de dor, fincando os dentes nos beiços.

— Lá se foi o dinheiro dos novilhos…

E como reparasse que ela soluçava muito:

— Não chores, não; pra que? Perderam-se os novilhos? As vacas tornam a parir.

Suspirou outra vez. E depois, mais dolorosamente:

— O pior foi roubarem-me as arrecadas!

Armando Erse de Figueiredo (João Luso)
em “A Novela Semanal” 16 de Maio de 1921