No calor da varrimenta, e num passe de cajado por detrás das costas, apanha o homem pela cabeça. Nem olha. Larga o cacete e arranca, peito abaulado, pernas e braços em movimento de biela a todo o vapor.
esgrima lusitana
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Alguns momentos da competição de bastão de 2013 divididos por técnicas base utilizadas: Ataques directos e por antecipação, duplas e seguidas, cortes, defesa e contra ataque. A várias partes do corpo, cabeça, mãos pernas etc, com alguns efeitos de câmara lenta.
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Jogo do pau – Alhos Vedros
O uso de paus e varas
O uso de paus e varas na vida diária das comunidades humanas é óbvio, desde as comunidades mais primitivas às contemporâneas, e, em quase todas as situações de carácter social.
No nosso país, a utilização humana de varas e paus, porque salta à vista em praticamente todas as actividades, não carece de prova. Desde os tempos mais remotos, até aos nossos dias, os paus e varas continuam presentes na vida diária das pessoas.
Enquanto arma, é também referenciado desde épocas primitivas. Ao longo dos séculos, por todas as civilizações, a sua presença é constante e determinante, nas guerras, motins, revoltas, arruaças várias. No caso concreto de Portugal, foram decisivos em alturas críticas da nossa história.
Já em épocas medievais se pratica a modalidade em Portugal, sobretudo entre os nobres que se preparavam para a guerra, com armas cujo manejo se assemelhava ao uso do pau, e também o contrário, mas, provam os factos, também em todas as outras classes sociais. E até aos nossos dias o seu uso foi generalizado e continua a ser.
O Jogo do Pau Português
O Jogo do Pau, como o praticamos e entendemos hoje em Portugal remonta ao início do século XIX. Desde então é possível seguir uma trajectória de desenvolvimento da modalidade. Em meados do século XIX, há um método de ensino sistematizado, numa técnica concreta, fruto obviamente de toda uma experiência acumulada.
Nos finais do século XIX a prática da modalidade estava generalizada pelo país. Dezenas de escolas e mestres estão referenciadas, todas com o seu estilo próprio, num tronco comum.
A última geração por motivos próprios, perdeu essa vitalidade, e no fim deste século existem menos escolas e menos mestres em actividade que no seu princípio.
Raízes do Jogo do Pau
Muitos autores apontam o Norte de Portugal, por razões culturais e etnográficas, (entre outras), como o berço do Jogo do Pau Português, enquanto outros, entendem que o Jogo do Pau, na sua vertente desportiva, foi desenvolvido e estudado nos meios urbanos, em especial Lisboa e Porto, por bons ginastas, especialmente conhecedores de outras modalidades que poderiam trazer um acréscimo de qualidade como a esgrima.
Ao certo é que está generalizado desde finais do século XIX em todo o país e em todas as camadas sociais.
Desde essa época, pelo menos, por toda a região caramela se joga e se treina com método, se contacta e se combina encontros com outras Escolas, no sentido de trocar experiências, estudar e resolver os aspectos técnicos e éticos que são próprios da modalidade.
O Jogo do Sul
No início do século XX muitos jogadores e mestres de Lisboa e de outras regiões do país frequentavam regularmente a margem sul do Tejo. Outros, porque viviam exclusivamente do ensino do Jogo do Pau, por aqui paravam, esperando ser contratados e arranjar alunos. Muitos dos habitantes locais, eram naturais de outras regiões do país, trazendo as suas técnicas e tradições. Esta amálgama de contactos e de troca de experiências, fez nascer um novo estilo de jogo, com o seu próprio método de ensino, com princípio, meio e fim, aquilo que se pode definir como uma escola de Jogo do Pau, absolutamente original, e, em rigor, do mais puro jogo do pau português, assumindo-se como os rivais de Lisboetas e Nortenhos, ou outros, e com respeito, termos a pretensão, (nem que seja só isso), de sermos melhores.
Poderemos, com efeito, falar de uma Escola do Sul, da Borda d’ Água, do Ribatejo, caramela, e outras. Em minha opinião podemos e devemos. E nessa ordem de ideias, com rigor será caramela, no sentido que neste contexto atribuímos a esse termo.
De todas as Escolas que rivalizaram na nossa região, duas se distinguem em termos técnicos, que alguns dos seus discípulos tentam manter. Devido a percursos e aprendizagens diferentes essas Escolas são simbolizadas nos seus principais mestres: António Moleiro e Domingos Margarido. Ambos caramelos, um de Pinhal Novo e o outro de Valdera. Foi em torno destes dois símbolos do Jogo do Pau Português que aprendem dezenas de jovens, do Penteado a Águas de Moura, de Palmela a Pegões. Os discípulos destes mestres formaram novos núcleos em praticamente todas as localidades da região.
O trabalho destes primeiros mestres, que estão referenciados documentalmente, de recolher e estudar todas as técnicas e estilos conhecidos, contactando regularmente com outras escolas e outros jogadores, permitiu que tudo pudesse ser sistematizado por duas figuras ímpares do Jogo do Pau Português, os Mestres José Ribeiro Chula e Silvino Melro. Em torno destas escolas assenta todo o saber do Jogo do Pau, Caramelo, do Sul, da Borda d’ Água, ou outra. Após a morte destes Mestres o Jogo do Pau na nossa região entrou em declínio.
Como jogamos
O Jogo do Pau que se pratica na Escola de Jogo do Pau de Alhos Vedros é o mais puro Jogo do Pau Português. Todo o método de ensino e de jogo é o que aprendi com o Mestre José Ribeiro Chula, tanto nos aspectos técnicos e competitivos como nos éticos e desportivos. O método com que o Mestre me ensinou é rigorosamente o mesmo que aplico com os meus alunos, nada alterei ou modifiquei. Mas aceito todas as sugestões dos meus alunos desde que sensatas e bem intencionadas.
Cada demonstração técnica de Jogo do Pau, feita por esta Escola, é reviver uma época, com garantia de qualidade e verdade no jogo aplicado e na tradição a que se refere.
Pessoalmente tive oportunidade de conhecer e ter lições de quase todos os Mestres antigos que jogaram na nossa região, conheço e exemplifico as “entradas” e “cortesias” de todas elas, assim como algumas das virtudes desses estilos, mas, com o devido respeito e amizade, continuo a pensar que a minha escola, ou, aquela que mestre José Ribeiro Chula sintetizou, é a mais evoluída e competitiva de todas elas. Por isso, queremos manter o espírito legado pelos nossos Mestres, de continuar a aprender, vendo e jogando com todos os jogadores de todas as Escolas, procurando neles o que de melhor tiverem e se possível enriquecendo a nossa técnica, em ambientes de convívio e de amizade.
Actas da 2ª eira folclórica da região caramela. Fevereiro 2000. Lagameças.
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http://www.youtube.com/watch?v=HNEOwdCRdmM
Palestra de Pedro Tânger na Quinta da Regaleira em 2012, sobre o jogo do pau português, a sua experiência de competição com bastão contra outras artes marciais e o contexto da esgrima lusitana nas artes marciais e na cultura portuguesa, com introdução de mestre Nuno Russo.
TORNEIO DO SUL- GCP -1997- LISBOA
Torneio de Bastão de combate – Esgrima Lusitana
Em 2012, Carlos dos Santos, praticante de esgrima lusitana, aluno do mestre Nuno Russo, participou em competições internacionais de esgrima de bastão. Ganhou em Madrid o ouro europeu e em Carrara o bronze no mundial.
“É Claro que fiquei feliz em conquistar o título mas acima de tudo quis provar aos praticante de modalidades de bastão que Portugal tem valor e uma modalidade própria que tem tudo para vingar no desporto internacional” – Carlos dos Santos
“Ilustração Portuguesa” – 27 de Junho de 1910. Nº227, Pg 826
“Exercícios de Jogo de Pau”
“Ilustração Portuguesa” – 21 de Junho de 1909. Nº174, Pg 798
“Jogo do pau pelos alunos da Escola Académica”
Festa desportiva da Escola Académica em 1906 – Mestre Artur dos Santos
“Ilustração Portuguesa” – 14 de Junho de 1909. Nº173, Pg 756
-A FESTA SPORTIVA DA ESCOLA ACADEMICA EM 6 DE JUNHO
“1 – O professor de jogo do pau, sr. Arthur Santos, e dois dos seus discipulos”
Os transmontanos, que comem pão de centeio, os minhotos, que comem pão de milho, até na malquerença são leais. Erguem o varapau á luz do sol, para que se veja bem, fazem-no zenir na esgrima, para que todos oiçam, e só depois se julgam autorizados a desmiolar a cabeça do adversário.
É a força, a coragem, a nobreza do duelo: aqui vou eu; defende-te lá.
Luta com varapaus entre marinheiro Português e alguns Coroados (1850)
“Apontamentos Sobre Os Indígenas Selvagens da Nação Coroados dos Matos da Província do Rio Grande do Sul” Pierre F. A . Booth Mabilde
20.10 – USO DO VARAPAU – ARMA PREDILETA
O varapau é geralmente feito com pau de laranjeira do mato, com uma grossura variável e relativa ã força do indivíduo que dele se serve. Em geral tem uma, ou uma e três quartos de polegada, de diâmetro, por seis palmos, mais ou menos, de comprimento. O pau é todo liso e nunca nodoso – como alguém tem pretendido -, nunca feito com arte, sendo o pau sempre da grossura natural, tal qual é encontrado no mato, sendo apenas descascado.
O varapau é a arma predileta dos selvagens para seus combates no mato, pois reconhecem que, em algumas circunstâncias, as flechas propelidas com o arco não produzem tiro tão certo, devido à espessura da vegetação, na qual tocando a flecha, no seu curso, desvia-se muito da direção em que é propelida. Ser vem-se de flechas somente nos lugares campestres: sobre estradas ou caminhos e no campo. Fora disso, é geralmente o varapau de que se servem para brigar em lugares impedidos e, mesmo, nas suas incursões, é quase sempre o varapau que prevalece.
(Nota n.° 10) Embora sendo o varapau a arma predileta dos Coroados, nenhum exercicio fazem, nem nunca fizeram, para adquirir destreza com aquela arma, que só lhes serve para agredir e com a qual não sabem se defender. Servindo-nos de uma expressão trivial, diremos que os coroados, com o varapau nas mãos, só sabem malhar com ele ou, como é costume dizer, dar ‘pancadas de cego”. Tão destros como são em atirar com arco e flecha – o que desde a infância exercitarn -, entendem que o varapau, como arma, não está sujeito a um treino que permitisse utilizá-lo como arma defensiva. Entretanto, embora não sabendo usar o varapau como arma defensiva, acham que, estando com ele armados, ninguém existe capaz de, armado igualmente com um pau, com eles medir-se. Tal é a presunção que asseverarn isso como se fosse verdade incontestável, dando risadas quando se lhes contraria esta opinião que fazem de si mesmos e se surpreendem do atrevimento de alguém que lhes queira provar o contrário.
20.11 – LUTA COM VARAPAUS ENTRE MARINHEIRO PORTUGUÊS E ALGUNS COROADOS
Entre os homens que, de janeiro a julho de 1850, me acompanhavam nas matas, havia um português, Manoel José Pereira, que, durante vinte anos, tinha servido como marinheiro a bordo de um navio de guerra português. Tinha ele uma destreza extraordinária no manejo do pau, além da força muscular de que era dotado.
Ouvindo o intérprete dizer-me que os coroados armados com varapau não temiam pessoa alguma, deu umas risadas e pediu-me licença para dizer ao intérprete que ele queria experimentar se, estando armado com um pau, um daqueles coroados seria capaz de lhe chegar ao corpo com o seu varapau. Anuí ã experiência.
recomendando-lhe toda a prudência para não molestar o coroado que se prestasse para a luta. O intérprete comunicou aos coroados a intenção do marinheiro e logo dois se ofereceram para com ele medir-se, dando-lhe um de seus varapaus.
Colocou-se o marinheiro em guarda e deu ordem para que os dois coroados o atacassem, dando-lhes licença de darem com toda a sua força e em qualquer lugar do corpo, onde bem lhes parecesse melhor dirigir as pancadas. Os coroados, vendo a atitude de pouco caso que o marinheiro parecia fazer deles, olhavam um para o outro e se desfaziam em risos sardõnicos que davam a perceber o seu caráter mau, regozijando-se, de antemão, pelo extermínio do marinheiro, que lhes parecia certo conseguir. Entretanto. esse prazer feroz e ameaçador foi de pouca duração.
(…)marinheiro lhes dirigia a palavra ou passava entre eles, se via, claramente, o olhar inquieto e o respeito que lhe tributavam. Ofereciam-lhe logo pinhão ou outro qualquer fruto que tivessem à mão, coisa que nunca – a não ser comigo – tinham feito para quem quer que fosse que me acompanhasse.