[youtube http://www.youtube.com/watch?v=E8wgGP_eBq8?feature=oembed&w=500&h=281]

-O filme mostra jogadores a confrontarem-se a varapau. Estão presentes várias formas, combate um contra um, um contra dois, um contra três, e finalmente, um contra um grupo.

-The film shows a contest played with stout poles. Various forms are presented: single combat (between two opponents), one against two, one against three, and finally one against a group of adversaries.

Es werden verschiedene Variationen einer Kampfspielart mit Stöcken dargestellt: Zweikampf (Paarkampf), einer gegen zwei, einer gegen drei und schließlich ein Spieler gegen eine Gruppe von Gegenspielern.

4 Séculos, 4 autores, 4 soluções para combate numa rua estreita

Apresento aqui, por ordem cronológica, quatro diferentes autores de manuais/documentos técnicos de esgrima, que nos apresentam quatro soluções diferentes para uma situação muito particular, a de combater numa rua ou caminho estreito, com uma arma de cerca de metro e meio de comprimento, estando cercado pelos dois lados. Vamos ver o que estes autores de séculos diferentes nos dizem:

(Nota: textos adaptados a um português mais atual)


1- “Arte de Esgrima” Domingo Luís Godinho – 1599

“Cercado numa rua meio estreita:
Se estiveres cercado numa rua em que se possam dar e jogar talhos* e reveses*, com adversários por detrás e pela frente, segurarás o montante com a mão direita junto à guarda e com a esquerda junto ao pomo, virando os lados para os adversários, com as costas viradas para uma das paredes. Jogarás aos do lado direito um talho, metendo o pé direito a esse mesmo lado, e esse talho será armado pelo ar, a cortar de cima para baixo(…). De maneira que jogarás um talho como se diz, e não parará até que caia em pontuada, com as unhas para cima, aos que estão do lado esquerdo, e juntamente meterás o pé que havias metido ao lado direito, ao lado esquerdo, do lado do outro, de maneira que o corpo fique voltado com as costas para a outra parede. O meter do pé , talho, a volta e a pontuada armada, tudo deve ser um tempo e logo voltarás de revez aos do mesmo lado direito com o qual irá armado, por cima da cabeça como o talho, e acabará com a pontuada, unhas para baixo, aos do lado esquerdo(…) E com os passos por cima do pé esquerdo e direito, irás continuando a batalha tanto quanto for necessário.”


2 -“Memorial da Prática do Montante” Diogo Gomes de Figueiredo – 1651

“Serve esta regra para brigar em rua estreita, Dispõem se dando um talho debaixo para cima metendo diante o pé direito, e logo deixando cair o montante pela mesma parte direita se dará por ela um alta-baixo, para vir a situar uma estocada com a maçã do montante no ombro direito que se dará metendo o pé direito, e começar-se-á de novo a regra com o rosto para a outra parte, com os mesmos golpes até tornar a virar se for necessário.”


3 -“A arte do jogo do pau” Joaquim António Ferreira – 1886
“quando eu for por um caminho estreito e me saia um inimigo pela frente e outro pela retaguarda, devo vigiar um passo, coberto com o pau; assim que eu apare a pancada, devo largar a mão de traz, vir com a perna de traz à frente, deitar a mão ao pau do inimigo e dar-lhe com a ponta do meu; em seguida devo aparar a pancada do inimigo da frente e dar-lhe uma pontuada.”

4 -“Programa técnico de Esgrima Lusitana – Varapau” Nuno Russo – 2012
“Técnica da quelha:
1. Entrada a avançar a perna esquerda com meio passo na direção do adversário atrás varrendo com pancada arrepiada pela esquerda e ataca com pancada de alto a baixo ao finalizar o passo.
Se necessário fazer a varrimenta com a arrepiada a avançar 1 passo completo e crescer no ataque de alto a baixo.
2. Igual ao procedimento anterior para o adversário oposto.
Nota: Usadas em espaços estreitos (Quelhas). A pancada arrepiada tanto pode ser executada como defesa ou ataque”


Como podemos ver, os 4 autores utilizam sequencias de ataques ligeiramente diferentes, com combinações de ataques e/ou pontuadas, sendo as mais semelhantes, as sequencias de ataque de Figueiredo(2) e de Nuno Russo(4), ambos executam uma arrepiada (um ataque de baixo para cima) seguido de um rebate(um ataque de cima para baixo/vertical).

No entanto, mais importante do que a sequencia de ataques utilizado, é um aspeto que se mantém em todos eles, e este é a tática de gestão do espaço, pressionando um dos lados com ataques e deslocamento nessa direção, ao mesmo tempo afastando-se do adversário do outro lado. Voltando-se de seguida ao outro lado para criar a mesma situação, tentando sempre, enquanto possível e necessário, manter os adversários afastados.

Este principio não é só respeitado por estes autores na situação especifica de combate numa rua apertada, mas é uma constante nas dezenas de regras/formas presentes nos quatro documentos aqui apresentados, em que os jogadores estão cercados de dois lados.

– Frederico Martins

—/—
*Os investigadores que descobriram e transcreveram os documentos de Montante dizem-nos que o talho é um ataque pela direita, e o revez um ataque pela esquerda, que pode ser enviesado ou arrepiado.

Links:
Algumas regras de Godinho: http://www.spanishsword.org/translations

“Arte de esgrima” de Luis Godinho, 1599, foi recentemente publicada em http://www.ageaeditora.com

“Memorial da pratica do montante” completo, em português e traduzido para inglês:

“arte do jogo do pau”: http://www.lulu.com/shop/joaquim-ant%C3%B3nio-ferreira/a-arte-do-jogo-do-pau/ebook/product-21605137.html

Sobre mestre Nuno Russo, onde Praticar etc: http://www.esgrimalusitana.pt

Esgrima de Pau – Escola Académica – 1905

Grupo de jogo do pau da Escola Académica. Orientado pelo mestre Artur dos Santos. – “Tiro e Sport” – 30 de Julho de 1905

Escola Académica – Festas escolares:
“(…)Depois fizeram-se exercícios de esgrima de pau, fazendo magnifico efeito as cortesias executadas por mais de 50 alunos e os assaltos em que se distinguiram os alunos nº 9 e 159 que obtiveram da seleta assistência uma verdadeira ovação, sendo também chamado e aplaudido o professor Artur dos Santos” – “Tiro e Sport” – 15 de Julho de 1906

Resumo das regras de competição.

As regras de competição de Esgrima Lusitana / Jogo do Pau Português apresentam uma solução simples e clara de esgrima com varapau que reflecte a tradição de combate desta arte.

Como as regras são bastante simples, qualquer praticante as pode entender facilmente, tal como um espectador sem experiência na arte pode também apreciar o evento como um espectáculo e conseguir segui-lo sem ficar “perdido”.

Estas regras têm como objectivo colocar o mínimo de limites possíveis nas técnicas utilizadas. Simplesmente não são válidos ataques que numa situação de combate real, não teriam grande efeito. Estas coincidem, não por acaso, com as técnicas mais tradicionais e comuns em todo o jogo do pau português. Outras limitações existem também por segurança, como as pontuadas ao pescoço, que não são permitidas por ser uma zona frágil e difícil de proteger. No entanto, os ataques em rotação são válidos a todo o corpo.

Só são válidos ataques fortes e em rotação. Este tipo de ataques não são só os característicos do jogo do pau português, como ataques curtos ou simples toques não são válidos, visto que com um varapau como arma não resultariam. Este facto torna também os movimentos, de grande amplitude de rotação da vara, mais fáceis de seguir pelo espectador.

Sendo que estas características de combate praticamente definem as características do jogo do pau português, qualquer praticante que seja jogador de pau pode participar nestas competições, mesmo que nunca tenha praticado especificamente para competição, não estando excluídos grupos tradicionais, que como já aconteceu em anos anteriores, podem participar em competição mesmo sem nunca ter experimentado protecções.

Como o objectivo é ser uma competição de esgrima com varapau, não é permitido combate corpo a corpo. O que também é uma característica da arte, em que o alcance do varapau era utilizado para manter os vários inimigos à distancia e evitar armas de curto alcance mas facilmente letais, como facas. Pequenos choques que resultem naturalmente são permitidos.

No entanto, são permitidos desarmes, e mesmo simplesmente agarrar da arma do adversário, visto que esta não corta como aconteceria com uma espada de lamina por exemplo. Pode-se assim agarrar a arma do adversário e tirar partido dessa situação para marcar ponto. Com a devida ressalva de que obviamente não se pode segurar uma arma que esteja a executar um ataque, visto que resultaria numa mão partida.

A cada ponto o combate é interrompido, o que marca claramente um acontecimento importante do combate em si, não dando oportunidade de um jogador que já foi “batido”, continuar a atacar indevidamente. Para o espectador, é também claro que foi ponto, e apesar de ser uma interrupção, é bastante curta, e o combate é imediatamente recomeçado.

O combate é terminado quando há uma vantagem de cinco pontos por um dos praticante, mesmo que dentro do tempo regulamentar. Isto cria alguma pressão ao jogador que sofre alguns pontos seguidos pois não pode permitir que a situação continue. Para o espectador, esta tensão também torna o combate mais interessante, pois pode acabar a qualquer altura, e todos os minutos são importantes. Também evita combates aborrecidos, que se poderiam prolongar mesmo quando a diferença entre jogadores é grande.

Lambada

Descrição de jogo do pau praticado numa romaria ao mesmo tempo que esgrima com espada preta, em versos do sec. XVIII.

Aqui, o soar da Lambada não se trata de um ritmo latino que surgiu por volta de 1980 no Pará, mas sim do forte e característico som resultante do bater de vara com vara.

“Xegada estava entaõ uma romagem
Dia de Pentecoste, onde Coimbra
Em pezo aos Olivais sair costuma.
He esta uma função das mais luzidas
Daqueles arrebaldes; ali entra
Tudo o bom, e bonito, e ali se encontra
Todo o recreio de qualquer espece.
Veemse ali jacozissimas Comedias
No amplo teatro do arraial vistozo.
Veemse as Trajedias de orroroso aspéto
A sena ensanguentarem, D’uma parte
Esgrimese com ansia a espada preta,
D´outra em jogo de páo soa a lambada.

(…)”

“Santarenaida: poema eroi-comico” de Francisco de Paula de Figueiredo (1792)

Espadão contra 5 paus

Romance: “O Génio do Mal”  Volumes 3 – 4

Arnaldo Gama – 1857

— Pois então cá por mim não tenho mêdo — disse o visconde — mande preparar para partirmos.

— Umph !— rosnou Manuel Gomes, e desceu. Dez minutos depois pozeram-se a caminho. Até ao largo de Souto Redondo, Manuel Gomes, que se pozera de batedor na frente da carruagem, não viu nada que o inquietasse ; ao entrar porém no caminho que d’ahi leva a S. João da Madeira sentiu um silvo agudissimo, viu chamejar de repente o espaço, ouviu a descarga de cinco tiros, e logo o silvo das balas que passaram junto d’elle, e outras que bateram na sege.

O cavallo baqueou.

— Senhor visconde! — gritou Manuel Gomes.

— Não me acertaram, amigo – gritou o velho visconde, lançando-se fóra da carruagem com duas pistolas na mão.

Manuel Gomes viu logo correr em direcção a elles cinco homens armados de varapaus. N’um abrir e fechar de olhos desfechou a clavina sobre elles, e arrancando do espadão que trazia, deu um salto para diante do visconde, que se pozera encostado a uma parede com as duas pistolas, armadas nas mãos.

Os cinco assassinos chegaram n’um momento a elles. Manuel fez um rodizio, e conseguiu fazê-los recuar. Travou-se então uma lucta desigual e de morte. A espada de Manuel brilhava como um relampago, ora em rodizio, ora procurando de fio ou de ponta o corpo dos contrarios. Mas estes armados de compridos varapaus esquivavam facilmente o corpo, e o velho soldado começava já a sentir-se cançado com os esforços sobrenaturaes que se via obrigado a fazer. N’um só momento que tomou de descanço um dos varapaus cahiu-lhe em cheio sobre a cabeça. O velho soldado cambaleou. O visconde porém conservava todo o sangue frio; apontou uma das pistolas, e desfechou. Um dos homens cahiu. A impressão que esta morte causou nos assassinos, foi preciosa para Manuel Gomes, que tomou fôlego, e conseguiu reconquistar a primitiva destreza. Mas a lucta era desegual de mais para durar muito tempo indecisa ; Manuel Gomes começava a fraquear de novo, o visconde tinha desfechado sem exito a segunda pistola… tudo estava perdido.

Uma circumstancia porém inesperada veio fazer pender a Victoria para o lado dos quasi vencidos. Um caminhante que subia n’este momento a estrada do lado de S. João da Madeira, mal viu o combate, metteu o cavallo a galope para elle. Infelizmente o visconde que tinha carregado novamente as pistolas, desfechou terceiro tiro, e a bala foi bater na cabeça do cavallo do recem-chegado. Este veio portanto a terra; mas não desanimou ; desembaraçou-se do cavallo, e correu com uma espada na mão para o lado de Manuel Gomes.

Este ao vêr-se soccorrido, tomou alma.

— A elles, camarada — gritou o velho soldado. A resposta do recem-chegado foi um golpe de tal jaez sobre, o craneo de um dos bandidos, que lh’o abriu até os dentes. Manuel Gomes correspondia ao mesmo tempo a esta cortezia, talhando com um golpe de soslaio a cara de um salteador, que se tinha desviado com mais tento, mas ainda assim não tanto a tempo, que não apanhasse no rosto todo o rigor de um gilvaz.

N’esta occasião assomou na estrada um outro cavalleiro.

— Narcizo ! — gritou o que tinha chegado primeiro.

Os bandidos lançaram-se então a fugir, e aquelle a quem tinham chamado Narcizo partiu á brida em perseguição d’elles.

Ainda elle não tinha tido tempo de chegar da perseguição em que se empenhava, e o visconde mal podéra ainda serenar de modo que podesse agradecer ao seu salvador