Na praça da Nazaré, em pleno largo, de manhã e de tarde, pelo tempo das festas, joga se intrepidamente o pau. Há ali professores e discípulos: alguns curiosos ali vão de propósito para se amestrarem neste exercício.

Em chegando aquele tempo da romaria, os professores montam nos seus machinhos, e vão para lá dar lições de pau. Dantes era a pinto por discípulo; hoje já não há pintos, mas creio que ainda há discípulos, e a diferença consistirá simplesmente em lhes custar mais cara a prenda. Alguns são admiráveis de agilidade. A multidão faz-lhes roto, acotovelando-se uns aos outros no empenho de qual há de ver o jogo de mais perto, e aplaude, aclama, entusiasma-se; chega a parecer que é para aquele caso que repicam os sinos, e estalam os foguetes! O jogo quase sempre acaba ao serio, influem-se de rixa os curiosos, e um só homem defende-se a pau de quatro ou cinco, e parte-lhes a cara a todos enquanto o anjo vai deitando a lôa….

“Á lareira – O homem das forças” – Júlio César Machado, 1872

EN:
“At the Nazaré’s Square, in the morning and in the afternoon by the time of the festivities, there happens be some intrepid staff fencing. The are teachers and students there, and some others interested in mastering themselves on this exercise. At this time of pilgrimage, the teachers ride their horses and go there to give staff fencing lessons. They used to cost a “Pinto”(old coin). Today there are no “Pinto” coins anymore, but there are still students. The difference is  that the “pay” now is more expensive. Some of them are admirable in agility.
The Crowd surrounds them, to see the fencing from closer, applaud and exclaims, it even seems that the bells and the fireworks from the festivities are there for this occasion. The fencing almost always ends with severity, the most invested in, pressure it, and a man alone fences them off with a staff, against four or five, and breaks their faces in blink of a eye.”

Entre os adultos, no século XIX, era vulgar o jogo do pau, mais como arma de defesa e ataque, do que como entretenimento. Não havia feira ou romaria onde os homens não procurassem demonstrar a sua destreza e agilidade.

E houve na Ortigosa um afamado jogador de pau, de seu nome José Braz Arroteia, homem de corpulência extraordinária, que o ajudava a ser invencível e temido pelos seus opositores. A sua fama chegou longe, tendo até dado lições de jogo do pau, em Salvaterra, ao rei D. Miguel.

http://www.soutodacarpalhosaeortigosa.pt/home.php?t=ct&c=27

Namoradas – Histórias do tio Joaquim

Publicada por luís rodrigues coelho Coelho à(s) sexta-feira, Janeiro 10, 2014

Quando eu era um rapaz novo, corria por todo o lado. Procurava as moças mais bonitas e as mais ricas.
Naquele tempo faziam-se serões quase todo o ano. Umas vezes a desfolhar as espigas de milho, outras a debulhar o milho à mão. Algumas a britar os pinhões ou a fazer retalhos de roupa velha.
Toda a roupa que já não servia era lavada. Depois ao serão era rasgada em tiras finas pelas raparigas. Os rapazes iam enrolando essas tiras de tecido numas bolas. Depois levavam-nas para a Tecedeira que fazia mantas.  As mantas que temos cá em casa foram todas feitas assim…Nunca se estragava nada e tudo tinha algum préstimo…

Nós íamos a todos os serões que eram uma forma de nos encontrarmos e podermos namorar um pouco. Cantava-se, ria-se com muita animação e éramos felizes. Novos e velhos conviviam ao redor da fogueira.
Nestas ocasiões, arranjavam-se namoricos com moças de outra aldeia, mas os rapazes em cada terra guardavam as suas moças. Cada um só podia namorar e casar na  sua terra…

Arranjaram-se grandes lutas entre rapazes de aldeias diferentes porque lhes queriam roubar as melhores moças.
Faziam-se “esperas”. Saltavam-nos à frente ou nós à frente dos outros e quase nem dava tempo para conversas.
– Vai namorar as moças da tua terra, as nossas já têm dono e não se dão aos cães…
Os cacetes começavam a dança. A conversa agora era dar ou defender-se
Só se viam paus no ar a cruzarem-se uns contra os outros. Ás vezes uma paulada mais forte rasava nas nossas costas ou até na cabeça, mas ninguém dava parte de fraco…A luta ia aumentando até que alguém cedia ou se punha ao fresco (fugia), levando os outros pelo mesmo caminho…fugiam a bom fugir…aquilo era ter pernas para andar…parecia que tinham fogo no rabo…Eh rapazes…tão cedo não se metem noutra…

Algumas vezes nas festas das Aldeias juntavam-se grupos rivais prontos para fazer a vingança…Nós já sabíamos da marosca e não íamos sozinhos. Quando se era apanhado de surpresa levavam uma boa coça…Ufa…
Com dezoito anos Já namorava uma moça de Amor. Uma rapariga muito bonita.
Eu era ainda um rapaz novo. Não tinha medo de ninguém, nem desconfiava que me quisessem bater. Já tinha alinhado nessas batalhas, mas tudo acabou sempre em bem. Cada um foi para seu lado e ficávamos amigos…

Uma certa noite, nem sei ao certo como aconteceu, esperaram-me ali em cima, à Cabaceira. Parece-me que estou a ver ainda as curvas fechadas e aquelas encostas altas e cheias de arvoredo. Havia sítios onde até de dia nós tínhamos receio de passar. Diziam que eram locais escolhidos pelos bandidos para fazerem os assaltos. As vítimas ficavam cercadas e não podiam fugir.
Os caminhos naquele tempo eram medonhos. Grandes silvados ou caminhos fundos no meio de grandes barreiras de terra.

Nesse tempo namorava-se apenas ao domingo à tarde e sempre na rua, junto da porta principal da casa da rapariga. Ao anoitecer, quando tocavam as três badaladas na torre da Igreja, as três Avé-Marias, a rapariga tinha de entrar para dentro de casa, para junto dos pais.
Havia muito respeito e ninguém se atrevia a desobedecer.
– Bem, dei-lhe as boas noites, marcamos encontro para o domingo seguinte, e … “ála”…meti-me ao caminho de regresso a casa.
Estava uma noite de breu…Nem as estrelas se viam no Céu…

Nesta altura já eu levava este pau comigo. A viagem era feita a coberto da noite e nunca sabíamos o que nos podia acontecer…
Vinha eu a subir a tal encosta, no meio daquele arvoredo, quando me salta à frente um desses rapazes, vizinho da rapariga.
– Alto lá…disse-me com ar ameaçador…Isto é só um aviso:
Se continuares a namorar aquela rapariga vamos ter de ajustar contas…Nem sabes de que terra és…

Eh rapazes…! Ui… Aquilo deu-me um nó no estômago. Parecia um tiro…Desandei o pau direito a ele, mas por sorte não lhe acertei. Ele estava sozinho e fugiu. Teria pensado que era homem para mim, mas enganou-se e muito bem enganado… Aquilo é que foram pernas para andar….Pareciam asas. Ele sumiu-se da minha vista mais rápido que um relâmpago.
Fiquei a conhecê-lo. Não me torna a fazer outra !

No próximo domingo, pensei eu, tenho de ir preparado. Ele e os amigos vão-me fazer-me “uma espera” para se vingarem…
Só tenho duas escolhas:
– Ou fico em casa ou então tenho de escolher outro caminho.
Ná…em casa é que eu não fico. Levo o pau comigo e depois há-de ser o que Deus quiser.
Depois das Avé Marias, voltámos a combinar a hora para a próxima semana. Ela foi para casa e eu meti-me ao caminho.
O tempo tinha mudado e a noite estava mais clara.
Ainda sou homem para dois ou três como ele, pensava eu, mas ao mesmo tempo ia caminhando sempre com “um olho atrás e outro à frente” não vá o diabo tecê-las…
“Desta feita” deixaram-me em paz…
Nos meses seguintes acabámos o namoro. Não nos entendemos e eu tinha de resolver a minha vida. Queria casar.

Nesta altura já andava de olho na tia. Ainda éramos parentes. Namorámos e casámos no ano seguinte. Depois fui para a tropa. Ela ficou sozinha com um filho e dois rapazes, meus irmãos mais novos, para cuidar. Tratou-os como filhos e soube ser uma boa mãe ensinando-os a trabalhar…
Fomos felizes. Era assim a vida e não foi nada fácil….

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O Pau – Histórias do tio Joaquim

-Publicada por Luís Rodrigues Coelho, terça-feira, Dezembro 31, 2013

Havia um cacete castanho, lustroso e cheio de pequenas verrugas arrumado num canto, atrás da porta grande da Sala. Era da altura de um homem ou um pouco mais alto.
O tio, que era o mais velho dos três rapazes, disse-nos que aquele pau esteve sempre ali. Era já do tempo dos seus pais.
Não sei se aquilo era uma arma de defesa ou de ataque.
Pensámos:
– Deve ser por causa dos ladrões…
As pessoas tinham de se defender e estas eram as suas armas.

– Os ladrões, continuou o tio, são maus. Muito, muito maus…Terríveis. Onde deitarem as unhas levam tudo. Alguns são capazes até de bater nas pessoas para lhes roubar ainda mais.
Era conveniente, naquele tempo, ter um pau assim – grosso e comprido. Cabia nas mãos de um adulto.
– Homem prevenido vale por dois…
Mais tarde os ladrões organizaram-se em quadrilhas. Grupos organizados com um cabecilha…
Eram ainda piores. Nem é bom pensar…

Conta-se que num certo dia, um lavrador foi com a mulher à feira vender uma junta de bois. Depois de fazerem o negócio, entregaram a junta de bois, receberam o dinheiro e regressaram a casa. Não quiseram fazer compras para não se demorarem. Tinham pressa de chegar a casa para esconder o dinheiro.

Escolhiam sítios muito difíceis de descobrir. Eram buracos no curral da burra ou por baixo do sobrado da casa, dentro de umas panelas de barro ou ainda nas paredes da casa.
Era lá que faziam o seu cofre para o dinheiro, o ouro e as libras… O avô tinha o seu cofre dentro de uma pia de pedra na adega. Dificilmente o descobriríamos…Um dia, pouco antes de morrer, levou-nos lá e mostrou-nos o seu segredo…

Os lavradores voltavam apressados e ao mesmo tempo cheios de medo,”miufa”, porque estas quadrilhas faziam cada vez mais roubos e tornavam-se mais violentos.
– Ai Senhor, que não nos aconteça nada de mal…Deus nos livre e guarde dos ladrões e malfeitores. Rezava a mulher.

Um pouco mais adiante, num sítio mais ermo, onde as matas são mais cerradas…foram atacados de surpresa por uma dessas quadrilhas. Dois saltaram-lhes à frente e os outros ficaram de atalaia, vigia.
– Alto lá, disseram eles com uma voz forte. Para cá o vosso dinheiro todo ou ficam já aqui estendidos no chão.
… Ou o dinheiro ou a vida…
– Por amor de Deus não nos façam mal, somos pobrezinhos, pedia a mulher, já lavada em lágrimas….

Imediatamente deitaram as unhas ao pescoço do lavrador e disseram:
– Este vai já entregar a alma a Deus… e dito isto, sacaram de uma faca muito grande  … vamos a ele…
– Ai o meu rico homem….gritava a mulher…Tenham piedade de nós…Homem dá-lhe o dinheiro, dá-lhe tudo. Ai que vida a nossa…! Valha-me Nossa Senhora dos Aflitos….

O lavrador bem que esperneava e se torcia todo para se safar, mas os outros que eram mais fortes e eram dois bem o seguraram e ele não conseguia libertar-se.
A mulher não lhe podia valer pois também lhe prenderam as mãos. Ela bem que gania e se sacudia mas nada….
Revistaram o homem até que encontraram as notas dobradas no fundo das calças, juntinho das suas partes mais íntimas…Com tanto medo de morrer o pobrezito já se tinha borrado todo. Os ladrões sacudiram as notas e levaram tudo.
Deixaram-nos mais mortos que vivos com tanta tareia.
As dores eram muitas. Por  pouco se salvaram…

– “Ai home” que vida a nossa …
– Tu estás bem Rosa…? Perguntou ele com muita dificuldade…
E lá se foram levantando do chão numa ladaínha de lamentos…
– Nestas alturas não aparece ninguém para nos valer…
Estes malandros sabem bem como fazer estas coisas e nós ficamos desgraçados… Lamentava-se a mulher.
– Ai, ai, ai…dizia o homem Dói-me muito a cabeça e as costas. Bateram-me tanto…. Estou todo partido…
– Ai “home”…deram-nos cabo do nosso canastro ! Também me levaram o meu rico cordão de ouro…que vida a minha.

Amanhã, cedinho, vamos procurar alguém que reze o responso a Santo António. Tenho fé que o cordão apareça…Pode ser que apareça algum dinheiro ainda !…
A Teresa dos Pinhais costuma fazer estas orações, sem se enganar. Quando se enganam está tudo perdido…Nunca mais aparece nada…
Dizem que se as coisas perdidas ou roubadas já passaram por águas correntes (rios ou ribeiros), ela tem de rezar com uma bilha de água à cabeça.
– Que vida a nossa …que tristeza… Quem tem sorte até os cães lhe põem ovos…mas quem a não tem é uma tristeza…respondeu-lhe o homem.

Aquele pau, atrás da porta tem muitas histórias. Tantas deu como defendeu…disse o tio. Quando comecei a namorar tive de me servir dele para me proteger. Havia uns tipos que se julgavam donos de todas as raparigas. Eles é que decidiam quem podia namorar com elas…mas isto já é outra história. Fica para outro dia…agora é melhor irem dormir…

Hoje os ladrões são outros. São “bem parecidos”. Usam gravata, têm carro e motorista. Estão no Governo e fazem os maiores roubos sem vergonha nem respeito…
Ainda ameaçam com coisas piores…A fome deles é a nossa desgraça…mas isto já não vai à paulada…
O povo tem de os denunciar e castigar com o voto…é uma arma poderosa. Eles bem que procuram enganar, mas já é tempo de conhecer as quadrilhas de malfeitores…

luisrcoelhohotmailcom.blogspot.pt

Mestre José Gonçalves Dias (o 95)

(…)José Dias (por alcunha o 95), antigo contra-mestre do mestre Salreu, como preito de gratidão á sua memoria, devo dizer, que soube ser um grande mestre e jogador, foi um homem d’um caracter ultra honrado, generoso, ativo trabalhador, e tão desinteressado para com os seus discípulos, que nunca deixou de bem os ensinar, mesmo quando não tinham dinheiro para lhe satisfazer a ridicula paga costumada, e era principalmente tão cheio de boa vontade no ensino, que punha tudo em pratos limpos, não lhes ocultando a mais insignificante parte do jogo

Tal era o excesso do seu desejo de ensinar, que por vezes, mais tarde quando já eu era também mestre, lhe notava que estava ensinando coisas para as quais o discipulo não tinha ainda preparação, ele me respondia: Ensine voçe os seus como entender, porque os meus teem pouco dinheiro para gastar, mas olhe que os meus são tão bem conhecidos em toda a parte, que quem chegar para eles, tem de saber o que faz.

Pois este meu mestre e amigo, a quem tanto e tanto devo do pouco que sei do jogo, foi um dos discipulos preditetos do grande mestre Domingos Salreu, que também  me deu (conforme os bilhetes de lições atestam) nada menos de meia grosa de lições(…)

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“Duas palavras sobre o jogo do pau” – Frederico Hopffer 1924

foto: “Jogo do Pau – Esgrima Nacional” – António Nunes Caçador 1963

Jogadores de pau na Galiza

Eis um sucesso já de fins do século passado que teve lugar numa feira da Galiza e que é narrado por um galego Xanquin Lorenzo Fernandez, de Orense, num artigo enviado por ele para o jornal o «Comércio do Porto» em 1950, intitulado «O Varapau»

Diz Fernandez

«Passou-se a coisa na feira de Porqueiróz, feira de ano, em que se juntaram feirantes de toda a comarca e fora dela. Os das diferentes freguesias iam com o seu gado e com os seus frutos fazendo-se uma das melhores feiras da Galiza daquele tempo. Uma vez, ignora-se porquê, começou uma rixa entre os feirantes e dois Portugueses que, vizinhos moradores naquelas terras havia já em tempos, acudiram a Porqueiróz. A rixa assanhou-se e chegou, como sempre a hora dos paus. Um dos portugueses ao ver o perigo berrou ao companheiro:

– «Oh irmão! junta costa com costas!!» – Postos deste jeito, cada um com o seu varapau, defenderam-se os dois sózinhos dos que os atacavam. durante muito tempo mantiveram-se firmes, a despeito dos muitos atacantes, pouco a pouco, foram-se desfazendo os adversários; uns feridos e outros acobardados. O triunfo coube-lhes a eles, que sozinhos, «desfizeram a feira». tal era a superioridade que lhes dava a sua pericia em «Jogar o Pau»». E Fernandez continua:

«no resto da Galiza, desconheço tal arma. E assim, parece-me evidente que se trata de um instrumento de origem portuguesa o facto do seu emprego preferente nas terras raianas, e não no resto da Galiza; o de este se encontrar pelo contrário, de uso muito corrente em Portugal; a nacionalidade dos seus mais famosos cultivadores.»

-Os Portugueses e o Mundo – Conferencia Internacional, VI Volume. Artes, Arquelogia e etnografia. Fundação Eng. Antonio de Almeida

Mais personagens jogadores de varapau

No seguimento de um post anterior, ficam aqui mais alguns personagens jogadores de varapau, na literatura portuguesa:


João da Rua
Estava casada com João da Rua, rapaz muito forte, de maneiras desembaraçadas de quem sabe varrer uma feira com um pau na mão e, com uma foiçe erguida, meter frente a vinte que fossem.

“Revoada de contos” –  Isabel Perfeito de Magalhães e Meneses 1977


Joaquim da Eira
Joaquim da Eira, um rapagão trigueiro, hercúleo, que andara na tropa, tinha fama de grande jogador de pau e prosápia de conquistador

“Maré alta: contos” – José Loureiro Botas 1952


Rosária
nestes seus vinte e dois anos, Rosária era alegre, namorava pelo interesse da vida, porque achava o sol vivificador e a matinal frescura dos campos cheia de exuberâncias. Era uma rapariga de aparência forte, com muitos dotes de masculinidade — trabalhava com vontade, dançava loucamente e jogava o pau como um valentão de feira.

“Comédia do campo: (cenas do Minho)” 1877



Gorgeira, hesitava, no fundo temia o Zé, pois dizia-se dele que usava navalha que manejava com destreza, praticara bravuras com ela em Lisboa, sempre fora lesto, bom jogador de pau, e era homem teso, nunca se acobardava.

“Carneiros em transumância:emigrantes clandestinos” Ricardo Gonçalves 1981


O padre cura
—«Boa noite, meus senhores,— entrou dizendo e deitando para baixo a gola de peles, o padre, novo ainda, espadaúdo, cacete nas unhas cigarro nos beiços, e grossas botas tamancos.
(…)
Era o pratinho do cura meter ferro ao farmacêutico; e este, sabendo isso, não queria responder para não dizerem que dava o cavaco.

O padre cura era o único a quem ele desculpava umas certas graçolas e o único que aceitava na sociedade depois de o saber frequentador da nova. Um pouco por medo, porque o padre tinha génio de varrer uma feira e não raro se fatiava de romarias em que o seu cacete se cruzara com o dos mais pimpões, e um pouco, também, por curiosidade de saber o que se passava no campo inimigo.

“Ambições” Ana de Castro Osório 1903


O avô da Casa das Pereiras
Também ao avô da Casa das Pereiras ninguém lhe levava a melhor ao jogo do pau, contavam-no entre os melhores puxadores do concelho.

“A toca do Lobo” Tomaz de Figueiredo  1966

Tragédia de palco

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em Os Amorosos da Foz (Camilo Castelo Branco), António Reis ti­nha de fazer o jogo do pau, como se faz em Fafe, mas o colega acertou-lhe num dedo e partiu-o. Ele aguentou todo o espetáculo durante mais de uma hora e meia e ainda hoje diz que se vê a diferença no dedo. Na altura, teve de cortar um anel que não saía.

1985 – OS AMOROSOS DA FOZ
Texto: Camilo Castelo Branco
Adaptação: Norberto Barroca
Texto Rábula Inicial: B. Veludo
Encenação: Norberto Barroca
Cenários e Figurinos: Norberto Barroca
Música: Paulino Garcia

Elenco: Carlos Lacerda; Raúl Santos Silva; Margarida Machado; Zélia Santos; Rui de Sousa; David Cardoso; Lurdes Rodrigues; Alfredo Correia; Luís Correia; Luís Cunha; Glória Férias; Rui Ferreira; Alexandre Falcão; Júlio Cardoso; António Reis; Estrela Novais; Emília Sequeira; Pedro Branco

Bugiada

A Bugiada é uma festa de São João única no mundo. Não há outra assim. É uma festa que decorre todos os anos durante o dia 24 de junho, de manhã até à noite, em Sobrado, uma vila do concelho de Valongo que dista menos de 20 km da cidade do Porto. Nesta festa há um pouco de tudo: cantos, danças, “lutas”, “raptos”, crítica social e estranhos rituais.

A dança do cego

Também chamada “sapateirada”, esta componente tem muito que se lhe diga e é seguramente um dos momentos altos da festa, especialmente a quarta e última representação, que ocorre sempre junto ao adro da igreja. Há um sapateiro que trabalha no seu ofício, ajudado por um moço. A esposa fia, junto a ele. De súbito, vem um cego de enxerga às costas, que um moço guia através de uma vara. Mas condu-lo de tal modo que ele vai derrubar o sapateiro e estatelar-se de barriga para baixo no meio de um charco de lama. Ladino, o moço do cego aproveita a confusão e foge com a mulher do sapateiro, que já havia dado suficientes sinais de não estar excessivamente satisfeita com a sua sorte. O artífice não se apercebe de imediato do que se passa e despeja a sua ira varejando o cego desalmadamente. Logo que este deixa de dar acordo de si, põe-se à procura da mulher, desesperado. E logo que a descobre, é desafiado para o jogo do pau pelo raptor, vencendo-o sem grande dificuldade. E a situação volta ao ponto inicial. Esta é, digamos assim, a história sem condimentos. Os temperos são dados por um sem número de pormenores que tornam a ‘dança do cego’ dificilmente descritível. Os gestos e comentários brejeiros do sapateiro e da mulher; os excrementos que fazem a vez de cera e os sapatos cheios de lama que o artesão vai lançando sobre o povo, os salpicos de água e lama que dificilmente deixam algum dos presentes imune à aspersão – tudo isto torna esta ‘dança’ do cego numa experiência telúrica e orgiástica de fusão com os elementos naturais, com o lado nocturno da existência, num misto estranho que combina o lúdico, o humorístico e o lúbrico.

http://bocc.ubi.pt/pag/pinto-manuel-bugiada.html