-Publicada por Luís Rodrigues Coelho, terça-feira, Dezembro 31, 2013
Havia um cacete castanho, lustroso e cheio de pequenas verrugas arrumado num canto, atrás da porta grande da Sala. Era da altura de um homem ou um pouco mais alto.
O tio, que era o mais velho dos três rapazes, disse-nos que aquele pau esteve sempre ali. Era já do tempo dos seus pais.
Não sei se aquilo era uma arma de defesa ou de ataque.
Pensámos:
– Deve ser por causa dos ladrões…
As pessoas tinham de se defender e estas eram as suas armas.
– Os ladrões, continuou o tio, são maus. Muito, muito maus…Terríveis. Onde deitarem as unhas levam tudo. Alguns são capazes até de bater nas pessoas para lhes roubar ainda mais.
Era conveniente, naquele tempo, ter um pau assim – grosso e comprido. Cabia nas mãos de um adulto.
– Homem prevenido vale por dois…
Mais tarde os ladrões organizaram-se em quadrilhas. Grupos organizados com um cabecilha…
Eram ainda piores. Nem é bom pensar…
Conta-se que num certo dia, um lavrador foi com a mulher à feira vender uma junta de bois. Depois de fazerem o negócio, entregaram a junta de bois, receberam o dinheiro e regressaram a casa. Não quiseram fazer compras para não se demorarem. Tinham pressa de chegar a casa para esconder o dinheiro.
Escolhiam sítios muito difíceis de descobrir. Eram buracos no curral da burra ou por baixo do sobrado da casa, dentro de umas panelas de barro ou ainda nas paredes da casa.
Era lá que faziam o seu cofre para o dinheiro, o ouro e as libras… O avô tinha o seu cofre dentro de uma pia de pedra na adega. Dificilmente o descobriríamos…Um dia, pouco antes de morrer, levou-nos lá e mostrou-nos o seu segredo…
Os lavradores voltavam apressados e ao mesmo tempo cheios de medo,”miufa”, porque estas quadrilhas faziam cada vez mais roubos e tornavam-se mais violentos.
– Ai Senhor, que não nos aconteça nada de mal…Deus nos livre e guarde dos ladrões e malfeitores. Rezava a mulher.
Um pouco mais adiante, num sítio mais ermo, onde as matas são mais cerradas…foram atacados de surpresa por uma dessas quadrilhas. Dois saltaram-lhes à frente e os outros ficaram de atalaia, vigia.
– Alto lá, disseram eles com uma voz forte. Para cá o vosso dinheiro todo ou ficam já aqui estendidos no chão.
… Ou o dinheiro ou a vida…
– Por amor de Deus não nos façam mal, somos pobrezinhos, pedia a mulher, já lavada em lágrimas….
Imediatamente deitaram as unhas ao pescoço do lavrador e disseram:
– Este vai já entregar a alma a Deus… e dito isto, sacaram de uma faca muito grande … vamos a ele…
– Ai o meu rico homem….gritava a mulher…Tenham piedade de nós…Homem dá-lhe o dinheiro, dá-lhe tudo. Ai que vida a nossa…! Valha-me Nossa Senhora dos Aflitos….
O lavrador bem que esperneava e se torcia todo para se safar, mas os outros que eram mais fortes e eram dois bem o seguraram e ele não conseguia libertar-se.
A mulher não lhe podia valer pois também lhe prenderam as mãos. Ela bem que gania e se sacudia mas nada….
Revistaram o homem até que encontraram as notas dobradas no fundo das calças, juntinho das suas partes mais íntimas…Com tanto medo de morrer o pobrezito já se tinha borrado todo. Os ladrões sacudiram as notas e levaram tudo.
Deixaram-nos mais mortos que vivos com tanta tareia.
As dores eram muitas. Por pouco se salvaram…
– “Ai home” que vida a nossa …
– Tu estás bem Rosa…? Perguntou ele com muita dificuldade…
E lá se foram levantando do chão numa ladaínha de lamentos…
– Nestas alturas não aparece ninguém para nos valer…
Estes malandros sabem bem como fazer estas coisas e nós ficamos desgraçados… Lamentava-se a mulher.
– Ai, ai, ai…dizia o homem Dói-me muito a cabeça e as costas. Bateram-me tanto…. Estou todo partido…
– Ai “home”…deram-nos cabo do nosso canastro ! Também me levaram o meu rico cordão de ouro…que vida a minha.
Amanhã, cedinho, vamos procurar alguém que reze o responso a Santo António. Tenho fé que o cordão apareça…Pode ser que apareça algum dinheiro ainda !…
A Teresa dos Pinhais costuma fazer estas orações, sem se enganar. Quando se enganam está tudo perdido…Nunca mais aparece nada…
Dizem que se as coisas perdidas ou roubadas já passaram por águas correntes (rios ou ribeiros), ela tem de rezar com uma bilha de água à cabeça.
– Que vida a nossa …que tristeza… Quem tem sorte até os cães lhe põem ovos…mas quem a não tem é uma tristeza…respondeu-lhe o homem.
Aquele pau, atrás da porta tem muitas histórias. Tantas deu como defendeu…disse o tio. Quando comecei a namorar tive de me servir dele para me proteger. Havia uns tipos que se julgavam donos de todas as raparigas. Eles é que decidiam quem podia namorar com elas…mas isto já é outra história. Fica para outro dia…agora é melhor irem dormir…
Hoje os ladrões são outros. São “bem parecidos”. Usam gravata, têm carro e motorista. Estão no Governo e fazem os maiores roubos sem vergonha nem respeito…
Ainda ameaçam com coisas piores…A fome deles é a nossa desgraça…mas isto já não vai à paulada…
O povo tem de os denunciar e castigar com o voto…é uma arma poderosa. Eles bem que procuram enganar, mas já é tempo de conhecer as quadrilhas de malfeitores…
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