Campeonato Nacional – 2001 –
jogo do pau
TORNEIO DO SUL- GCP -1997- LISBOA
Torneio de Bastão de combate – Esgrima Lusitana
Participação da freguesia de Infesta -Associação do jogo do pau- na exposição de murais de camélias de Celorico de Basto.
Uma mulher a sério!
No alpendre do carpinteiro reunia-se o povo do lugar onde as novas vinham a lume, frescas, em jeito de escárnio e maldizer. O cónego estava sempre no eixo da discussão e agora os circunstantes debruçavam-se sobre a eventual prole ou filharada de D. Celestino, lá para os lados da Serra. Não se sabia ao certo quem eram as beatas apanhadas pela rede do pároco que geria mais de uma freguesia do concelho. Desconheciam-se, por ora, casos de pedofilia, coisa tratada com pau de marmeleiro, deixando o energúmeno com o crânio desfeito, seguramente.
– Seguramente que ele não se mete com a tia Belarmina, porque, se o fizer, fica com as costelas partidas – diz o Aristides.
– Como assim? – indaga o Fortunato.
– Ora, não sabes que ela leva, normalmente, o namorado, noite adentro, à própria casa, em Cavião? – pergunta o Aristides. No regresso, sete malandros atravessaram-se-lhe no caminho e ela, com o pau de marmeleiro, que andava sempre consigo, atirou-os por terra!
– Essa é que é uma mulher a sério – interrompe o Cego da Catrina! É a única que não tem medo do tardo e vai ao moinho, sozinha, a qualquer hora da noite.
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“A vida é um ensaio” – Adriano Correia de Pinto (2010)
Santo António da Neve – “No Sto. António pagas-mas”
Antiga foto da Capela de Sto. António da Neve antes de ser renovada.
Embora os serranos não fossem muito religiosos, cada conjunto de três aldeias tinha uma capela comum no lugar do centro, o maior, onde se realizava a festa e o baile. Nestas ocasiões todos se uniam e comemoravam em festas de índole religiosa.
Poço e Capela de Sto. António da Neve, Lousã, Portugal.
O centro da Serra, local culto religioso e pagão e de trocas comerciais era o Sto. António da Neve, onde era demonstrada a solidariedade da serra. Juntavam-se nove aldeias com Lousã, Serpins, Vilarinho, Coentral, Castanheira de Pêra. Embora que as aldeias fizessem bailes entre si, as outras freguesias faziam bailes à parte; se, durante o ano alguém dissesse “No Sto. António pagas-mas”, isso significava que o jogo do pau iria ser, mais uma vez, uma forma de resolver problemas.
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“Aldeias serranas, que futuro?” – Susana Moita, Lurdes Silva, Catarina Fernandes, Isabel Lopes
Aldeias Serranas:
[youtube http://www.youtube.com/watch?v=7h1CjwRKW9g?feature=oembed&w=500&h=374]
O jogo do Norte.
Em Lisboa, dá-se a designação de jogo do norte, ao combate contra vários adversários.
Na primeira parte deste video, o CCRJC dá-nos uma excelente demonstração de várias dessas situações de combate, praticadas não em situação real que seria impossível sem acidentes, mas sob pressão, dada pelos vários adversários que seguram a vara como alvo e que pressionam, aproximando-se e afastando-se.
Assim, criam-se pressões reais sobre quem pratica/está no meio, que se vê forçado a reagir ao ambiente hostil e em constante mudança que o rodeia.
O lutador em inferioridade numérica, não segue uma formula fixa, utiliza sim uma série de ataques simples, mas rápidos e fortes, sob os quais tem um grande domínio, para manter os adversários à distância. Pois os mais bravos teriam dificuldade em se aproximar dele, sabendo que teriam que se pôr de baixo destes golpes.
Estes dois elementos são essenciais para esta situação de combate, sem a capacidade de reagir dinamicamente, em todas as direcções, às pressões que o rodeiam, o lutador, por mais forte que seja o seu ataque, seria eventualmente apanhado de surpresa num ângulo a que não tivesse atento. Por outro lado, se o seu ataque fosse fraco, acabaria por ser “esmagado” pelos seus adversários que não sentiriam necessidade de se afastar.
Para se adquirir estes movimentos, pode e deve-se praticar de forma mais sintetizada e sequênciada, segundo uma ordem definida, sem todo o caos que parece haver nesta demonstração, porém, este tipo de prática mais dinâmica, foi o que permitiu manter o jogo do pau vivo como sistema de combate, não preservando apenas os movimentos, mas também a atitude e concentração necessárias a uma situação de combate tão complicada como é a de se estar em inferioridade numérica, desenvolvendo assim, nos praticantes, competências e aptidões que de outra forma não seriam desenvolvidos nem preservados.
Uma mentira letal
“O Tio Joaquim”
Conto com cena de combate a varapau.
“Entre os trabalhadores da quinta, havia um chamado António bom rapaz, é verdade; mas que tinha um defeito, de que se não corrigia. Era mentiroso, como os que o são, e quando o não acreditavam, amontoava juras, qual mais tremenda ou de mais responsabilidade e respeito pai a um homem de bem.
E era pena; porque poucos havia tão laboriosos como ele Era conhecido pelo— galo da madrugada—titulo bem justificado em vista do se apressava em concorrer ao trabalho: e não poucas vezes os pobres benefícios que o seu magro pecúlio lhe permitia fazer, vinham a constar, pelos outros e não por ele muito em seu abono e boa reputação.
O tio Joaquim, conselheiro honorário daquela republica tinha-o repreendido muito; mas aquele maldito sestro não o queria o António perder nem a bem nem a mal. Era o seu senão, que lhe acarretava não poucos dissabores e com o que não pouco prejudicava os outros.
Era num domingo, e depois da missa do dia, no adro da igreja estavam reunidos, em mó, os saloios daqueles sítios que tinham concorrido ao santo sacrifício De fatos domingueiros, e varapaus ferrados, discorriam pelas novidades do lugar, exactamente como os nossos elegantes à porta do Marrare, ou nas salas do Grémio.
Diga-se a verdade; as Marias e as Joanas não deixavam de influir naquelas reuniões, porque não poucos eram os que ali compareciam levando em mira falar ás suas requestadas, ensaiar requebros, ou ajustar entretenimentos para as horas de sesta ou para as tardes dos dias santos.
O nosso António também não faltava à reunião, e já por mais de uma vez fizera das suas, sem consequências de maior, pelo pouco credito que tinham naquele mercado campestre as notas do nosso caramboleiro.
Havia no lugar uma rapariga que se podia chamar uma perfeição, e que fazia tanta diferença das suas companheiras, como a rosa de musgo das rosas carrasqueiras dos valados.
Era gentil e mimosa,não tinha as cores de saúde nem aquele acerejado do sol, ou formas robustas e quasi viris da raparigada do campo; mas era mais esbelta, mais pálida mais clara e com uns olhos tão negros, tão negros, que lhe saiam da alvura do rosto, como dois diamantes negros engastados em esmalte branco.
Vivia arredada e em recato, e não aparecia em arraial ou festa, senão de ano em ano e quase por milagre.
Chamavam-lhe—a fidalga,—e o nome casava tanto com a sua distinção de maneiras e garbo de porte, como o soar das ave-marias com os descampados das serras.
Como já se deve supor, os fragatas da terra tinham pretendido as honras de arrojado; mas debalde, porque os rejeitava, e quase todos doscoroçoados tinham desistido da empresa.
Digo quase todos, porque dois ainda lhe arrastavam a asa, um, (aqui em segredo,) era atendido e bem olhado; o outro, mais feliz, nem falar nisso é bom, mordia-se de raiva pelos desdens que sofria, e pelo pouco em que eram tidos seus requebros e paixões.
A escolha de Emília tinha sido acertada, porque o José da Avó era o mais guapo moço daquelas duas léguas em redor. Desempenado e direito como uma vara de abrunheiro, valente como um pau de carrasco, generoso e de brio, como nenhum: nem o mais pintado lhe levava as alampadas em trabalho de fazenda, em jogos de pau, ou em balaricos de domingo.
E cantigas! Sabia-as ele cantar, como os que as sabem; entoava uma desgarrada ou sustentava um desafio, mais afinado e a preceito do que muitos desses italianos em segunda mão, que os empresários nos impõem como notabilidades cantantes.
O outro pretendente não era muito cheio de não presta: mas ao pé do José da Avó ficava a perder de vista, o que não admira; porque vasados naqueles moldes não havia muitos no lugar. Ele porém, como não queria atender à razão, danava-se jurando pela pele do ditoso preferido.
Este era o estado da questão na manhã do tal domingo, e os dois rivais conservavam-se a distancia respeitosa no meio de dois grupos distintos.
Tinha saído já quase toda a gente da igreja, quando Emília se retirou, sem que lhe faltassem comentários, enquanto passava por meio dos grupos. .
—Olha a delambida, soltou dali uma das raparigas mais feias da terra, parece que vai com o rei na barriga, nem olha para a gente.
—Era o que faltava, a fidalga!
—Vai toda enlevada no seu José, tem medo que lho tirem do lance.
Nisto o nosso António que não queria ficar atrás também se intrometeu na conversa, dizendo com modos de quem estava corrente com os mistérios daquele circulo:
— Pois faz ele bem em perder o seu tempo, porque ainda não há muito que vi o Miguel de conversa com ela á porta de casa, e pelos jeitos que a coisa levava, não era a primeira vez que se falavam.
—Ora tu sempre tens uma língua!
—Um raio me parta se minto; tinha-me calado e feito vista grossa, mas agora ferveu-me o sangue quando a vi assim como quem queria deitar lama para a cara da gente.
As palavras de António não tinham caído no chão. José desconfiado, como todos os namorados; estivera de ouvido à escuta e não perdera nem silaba Noutra ocasião voltaria de certo as costas ao maldizente, mas desta vez mudava o caso de figura: o ciume acreditava a voz do mentiroso e a tremer chegou-se ao pé dele perguntando-lhe com voz indecisa:
—Juras que é verdade o que acabas de dizer?
—Se é! os diabos me levem se minto; eu por mim não queria causar-te nenhuma aquela; mas assim como assim mais tarde ou mais cedo havias de vir a sabe-lo; e, verdade verdade, ela não te merece.
—Basta, lhe retorquiu o pobre José, e foi-se como um raio até onde estava o suposto arrojado.
Inútil é dizer que tinha sido tudo isto enredos e obra de António Soltára as primeiras palavras como por demais, sustentara o dito por capricho, mais tarde para que não supusessem que tornára com a fala ao bucho por medroso.
Do outro lado do adro uma floresta de paus se levantava no ar, e já as navalhas estavam fora das algibeiras; os dois tinham-se travado de razões, e como palavra puxa palavra, tinham passado dos ditos a vias de facto e malhavam um no outro como se fosse em monte de milho.
Ambos tinham partidários e por conseguinte a luta assumiu proporções maiores; porém por muito encarniçada que fosse entre os partidos, parecia um brinco de crianças à vista daquela em que os dois se tinham travado. Davam como quem se despedia do mundo, e como quem desejava ver estendido no chão para sempre o seu contrario.
Ao principio arrancaram dos paus e começaram a atirar as primeiras pancadas, que quase todas caíram em cheio; até que Miguel, depois de ter jogado umas poucas de sortes ao seu adversário e como ambos estavam descobertos e só queriam dar, dissimulando uma pancada à cabeça, lhe dirigiu o pau por meia volta no ar ás pernas. Quando lá chegou já o seu adversário o tinha procurado aparar, porém tanto em mal, e tão puxada d’alma ia a contraria, que o pau colhido no meio, não o aguentou e partiu-se; e o outro não encontrando resistência no corpo de José, porque ele já lho tinha furtado, foi de encontro ás pedras do adro e partiu-se também.
Vendo-se desarmado, Miguel não perdeu tempo: correu sobre o inimigo com uma navalha e baldeou-o logo no chão jorrando sangue por uma ferida no ventre.
O assassino, apenas cometido o crime, tomou as de Yila Diogo, e a desordem começou a apaziguar se com a chegada dos cabos da terra, que tratavam de remover o ferido e de prender os combatentes.
O causador de tudo isto tinha, logo que viu tomar ao caso uma feição que lhe não supusera, procurado cocegar o motim, confessando a sua mentira, porém já era tarde, naquelas alturas qualquer intervenção seria inútil teve pois de assistir arrepelando-se, dizendo mal à sua vida, áquela triste cena, e prometendo, com mil juras que não mentiria nunca mais; ajudou soluçando a levar o ferido para sua casa na maca, que tinham ido buscar, e acusando-se todo o caminho de ter sido ele, e só ele, o culpado de tudo, que sucedera.”
“Os contos do tio Joaquim” – Rodrigo Paganino – 1861
Início do jogo do pau no Ginásio Clube Português
1900, atletas ilustres praticantes de Jogo do Pau no Sarau do Ginásio
“Sarau
no
Coliseu dos Recreios
4- Dezº 1900
1- Nuno Infante da Camara
2- Vasco Infante da Camara
3- Luis Infante da Camara”
O Ginásio Clube Português encerra na sua história o peso de mais de 130 anos de existência. É impossível falarmos da história do desporto português sem pronunciarmos este nome que por direito próprio ostenta uma reputação ilustre, fruto de uma paixão sem limites pelo desporto. Pioneiros na edificação de uma cultura desportiva foram criadores de riqueza incalculável para Portugal e para o mundo. Detentores de um longo currículo de vitórias e vitoriosos, o Ginásio Clube Português revela hoje o mesmo carisma herdado do seu fundador, Luís Maria de Lima da Costa Monteiro.
Na época não eram conhecidos os benefícios da actividade física e os praticantes contavam-se pelos dedos de uma mão. As únicas actividades físicas que se conheciam eram os ranchos, a lavoura e o jogo do pau. Só uma pequena parte da burguesia e da nobreza compreendia a sua importância e eram olhados com estranheza por uma Lisboa conservadora.
Inicio do jogo do pau português no Ginásio Clube:
1895 – Transporta para ginásio o jogo do Pau, então só jogado no campo e recintos operários.
1899- Fortes assaltos de jogo de Pau, havendo uso de excessiva violência que levantou ao rubro, a assistência.
http://gcp.pt/gcp/historia/1890-1899
Um grupo de jogadores de pau do Real Ginásio
Grupo de Jogo do Pau de Artur dos Santos e graduações do início do século XX
A morgadinha de Val-d’Amores
SCENA VII – Frederico, JOÃO LOPES, e cabos
Joao Lopes – Olhe, se foge, que o snr. vae levar pancada de crear bicho. Estão-se a preparar os valentões.
(Frederico apita rijo. Apparecem de differentes sahidas 6 cabos de policia que escutam Frederico, em quanto se repete a cantilena. Finda a cantilena, ouve-se fóra o rumor da desordem, e o estalido dos varapáos. As cantadeiras fogem alvoraçadas a dar gritos.)
SCENA VIII – Frederico, cabos, um desconhecido, e camponios
Frederico (com intimativa bellica) – Formem em linha. Carregar armas!
Um cabo – Estão carregadas.
Frederico – Vamos ser atacados pelos desordeiros. Á voz de fogo, atirem.
(Vê-se atravessar a scena por entre o povo um Desconhecido de chapéo derrubado, o rosto coberto por um lenço, de caraça, polainas e briche nas pernas e pés, com um grosso páo de choupa. Proximos de Frederico os valentões param, com os páos cruzados nas pernas, gingando em attitude ameaçadora. Frederico, não se desvia dos cabos. De repente, rompem de fóra uns poucos varrendo o campo a pauladas.)
Frederico- Cabos de policia, sentido! Preparar armas!
(Sáe perto da bocca da scena o Desconhecido. Escosta-se ao páo observando os movimentos dos valentões, os quaes vem já avançando, já recuando, crescendo sobre Frederico.)
Frederico (aos cabos) – Aperrar armas!
(Uma paulada faz soltar a clavina das mãos d’um cabo. Os outros fogem. Frederico recúa, apitando rijamente. No maior aperto, o Desconhecido salta para a beira d’elle, descobre a choupa do páo, e arremette com os aggressores. Estes, forçados pela destreza, fogem,logo que o primeiro cáe d’uma paulada. A vozeria cresce no momento em que o palco está despejado. O Desconhecido trava do braço de Frederico, e o traz á bocca da scena.)
Frederico – Quem é o valente homem a quem devo a vida?! quem é?
Morgadinha (arrancando o lenço do rosto) – Sou eu! salvei-te, Frederico!
Frederico – Ó morgadinha de Val-d’Amores! Tu!.. oh! tu!.. Como és ideal e angelica! (Ajoelhando.)
FIM DO SEGUNDO ACTO.
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“A morgadinha de Val-d’Amores” – Camilo Castelo Branco (1871)
1 de Dezembro – A restauração e a esgrima em Portugal
A 1 de Dezembro celebra-se a Restauração da Independência de Portugal que, em 1640, pôs fim à dinastia espanhola neste país.
No contexto da esgrima na península Ibérica, desde 1587 que Don Jerónimo de Carranza, com a sua obra “Filosofía de las Armas”, conseguiu criar uma nova forma de praticar a esgrima, intitulada “La Verdadera Deztreza”, tratado que se impôs e fez esquecer tudo o que havia antes, considerando a esgrima do passado como “antiga” ou “vulgar”. Esta nova esgrima dedicava-se quase exclusivamente a espadas manejadas a uma mão, um processo que estava já a acontecer por toda a Europa.
No entanto, não lhe tirando o mérito, fez provavelmente esquecer um tipo de esgrima mais antiga, com armas a duas mãos e que tratava de situações diferentes do duelo um contra um.
Em 1651, Dom Diogo Gomes de Figueiredo, General de Artilharia português e mestre de esgrima, escreveu um manual de esgrima com espadas a duas mãos (o montante) que, calcula-se, tentava um pouco reviver essa esgrima mais antiga, olvidada pela obra e expansão da esgrima protelada pelo mestre espanhol. Dom Diogo Gomes de Figueiredo não só bem conhecia a Verdadera Destreza, pois também era mestre de esgrima, como também a antiga esgrima, com armas a duas mãos, e outras situações que tratava esta esgrima vulgar. E foi sobre essa esgrima já no seu tempo a cair na obscuridade, que decidiu tratar no seu manual.
As situações de combate a que se referiu são as de combate em inferioridade numérica. Como exemplo deixo aqui algumas situações referidas no manual de Dom Diogo:
“He esta regra para brigar com gente por detraz e por diante (…)”
“Serve esta regra para brigar em hua rua larga com gente por detras o por diante (…)”
“Serve esta regra para deter gente em hua rua e impeder que não passe de hua parte para a outra.(…)”
Estas são as situações tratadas também, e muito extensivamente, no jogo do pau português, no chamado jogo do norte, que retrata o combate em inferioridade numérica, estando geralmente cercado de adversários. E este é também o tema do primeiro manual verdadeiramente de jogo do pau de 1886.
Assim, Dom Diogo Gomes de Figueiredo, movido provavelmente pelo renascer de uma nação, reflecte uma quase perdida arte de combate. Este seu trabalho não chegou infelizmente a ser publicado, e a esgrima de espada evoluiu inevitavelmente para a que conhecemos hoje, mas as situações tratadas por este autor sobreviveram na esgrima do varapau sendo praticado até aos dias de hoje, uma prática quase esquecida em outros tipos de esgrima, seja europeia ou de outras partes do mundo.
Outros autores, mas muito poucos, trataram deste tipo de esgrima a duas mãos, contra vários adversários, sendo esta obra um elemento essencial entre não mais que duas ou três outras, que nos permite perceber que a prática actual do jogo do pau não foi uma invenção recente, dos últimos 2 séculos, sendo já uma prática comum muito antes de termos conhecimento do jogo do pau como é conhecido na literatura desde o século XIX.
José Maria da Rocha, antigo mestre de Terras de Bouro
José Maria da Rocha, mais conhecido pelo senhor Rocha foi um exímio jogador do pau. Este terrabourense nasceu em 19 de Março de 1929 no lugar do Assento na Freguesia de Cibões. Com apenas 9 anos de idade foi servir como moço de lavoura para a freguesia de Santa Isabel do Monte onde lhe pagavam um salário anual de 300$00. Com 13 anos vai trabalhar para a casa do Feixa, em Vilarinho da Furna, e vê o seu salário anual aumentado para o dobro. Em Vilarinho, as suas principais tarefas eram regar os campos de milho e guardar as cabras na serra. Aos 14 anos decidiu encontrar melhor sorte em Lisboa. Na capital, começou como ajudante de cozinha numa pastelaria de fabrico para revenda. Mais tarde foi trabalhar para a pastelaria Áurea, na rua do Ouro, e a seguir trabalhou na pastelaria Marques na Avenida Almeida Garrett. Foi com colegas seus da cozinha que aprendeu a assinar o seu nome porque na sua infância não havia escola.
Inicia a sua actividade de cozinheiro propriamente dita no Hotel Florida onde permanece até a ida para a tropa. Cumpre o serviço militar na Base Aérea nº1 de Sintra e volta ao Hotel Florida. Volvidos três anos, muda para o Hotel Espadarte em Sesimbra e mais tarde para o Hotel Turismo da Ericeira. Esta itinerância nunca se deveu ao facto de não gostar de trabalhar nestes locais ou de ser preguiçoso, mas à procura de melhor salário. Foi somente em 1951 que obteve os seus primeiros oito dias de férias. O senhor Rocha trabalhou como cozinheiro ainda noutros locais e chegou a viver a aventura da emigração em França durante cerca de sete anos.
Hoje, na reforma ajuda e apoia a sua esposa que devido a um glaucoma praticamente se encontra cega.
O senhor Rocha confidenciou à reportagem do “Geresão” que a reforma de França, com descontos apenas de sete anos, é bem maior do que a reforma portuguesa. “Após 38 anos de trabalho na indústria hoteleira, a pensão de França é mais do dobro que a pensão da hotelaria”.
Afirma com tristeza que “a freguesia de Cibões está envelhecida, as casas dos lavradores estão vazias, as alfaias agrícolas estão paradas e os campos ao abandono. Dantes era gente por todo o lado, agora é uma miséria.” No entanto, considera que há actualmente aspectos positivos “porque temos luz, telefone e estradas.” Insiste em comparar o passado com o presente: “Dantes era tudo cheio de gente. Agora, toda a gente foge. A lavoura não dá quase nada. Uma profissão que vai dando ainda é a de cozinheiro, mas tem que se fugir daqui.”
Foi em Santo António de Missões da Serra que o senhor Rocha aprendeu a jogar o pau com José Pelote e também com o João Quinteiro de Bergaço. Queixa-se da falta de reconhecimento. “Nunca foi feita uma homenagem a qualquer um dos jogadores de pau do nosso concelho e nunca nos deram a conhecer. O João Quinteiro foi para mim o maior jogador do nosso País.”
Em Lisboa, na década de 50 o senhor Rocha inscreveu-se no Ateneu Comercial tendo recebido aulas do mestre Domingos Miguel e do contramestre António Antunes Caçador. Frequentou esta escola durante 30 anos. Fez demonstrações no Estádio da Luz, nas festas de Vila Franca de Xira no Pavilhão dos Desportos, e em muitos outros locais.
Actualmente ainda recebe inúmeros convites para fazer demonstrações, mas as pernas já não o ajudam.
No que concerne ao jogo do pau esclarece que “isto não é um jogo de pau, mas esgrima do pau nacional que já vem do tempo do rei D. Carlos (finais do século XIX e princípios do século XX).”
Foi há 26 anos atrás que criou, na vila de Terras de Bouro, a convite do Presidente da Câmara Municipal, José Araújo, a escola do jogo do pau que veio a funcionar regularmente durante oito anos. Esta escola terminou, apesar do número sempre elevado de alunos, devido ao problema de artroses que começaram a limitar a sua mobilidade. “Porque as voltas que o pau dá por cima no ar, as pernas têm que dar as mesmas voltas por baixo.” As pernas mataram-lhe outra das suas grandes paixões: a caça porque não lhe permitem longas caminhadas pelos montes de Cibões.
“Foram oito anos de professor”, recorda com saudade. Mobilizou muitos jovens terrabourenses para a prática do jogo do pau. No nosso concelho e noutros locais, o senhor Rocha e os seus pupilos fizeram inúmeras exibições. Recorda-se com carinho de todos os seus alunos e destaca o Luís da Souta e o Álvaro do Pereirinha que eram jovens muito empenhados e assíduos.
Jogou o pau com indivíduos de Espinho, Melgaço, Sesimbra e de outras localidades do nosso País e foram muitos os episódios caricatos. Uma vez jogou o pau com um indivíduo chamado Adelino Barroso na vila de Terras de Bouro. Foi num dia de feira, na “Leira do Sousa”, por debaixo do Escola Padre Martins Capela depois desse indivíduo o ter desafiado. O Adelino Barroso atirou-se muito impetuoso e o senhor Rocha foi desviando o seu corpo das varadas. Deixou-o entusiasmar-se e o resultado “foi ter rachado a cabeça ao Adelino Barroso com uma boa varada”.
Muitas vezes chegou a estar cercado por quatro ou cinco homens, mas defendeu-se sempre “porque as pernas ajudavam”.
Camilo Castelo Branco andou fugido por Fafe há século e meio
Link para artigo sobre Camilo Castelo Branco e o jogo do pau em fafe, na sua obra.
Camilo Castelo Branco andou fugido por Fafe há século e meio