Chegou em fim a desejada festa,
Onde as nossas Pastoras se ajuntavão:
Já nos frescos lugares da floresta
Os valentes cajados se arvoravão:
Cada qual revolvia na memoria
A vantagem, o premio, a victoria.

O sitio da contenda está patente;
Mas não se entende hum leve desafio:
Com razão se murmura, e toda a gente
Dos Pastores escusa o fraco brio.
Não pude soffrer mais: fui o primeiro;
Que saltei para o largo do terreiro.

No meio com valor me exponho à lucta,
(Cuido que por Amor era animado)
O forte Jonio a gloria me disputa;
Mas depressa ficou no chão prostrado.
Altos, alegres vivas se entenderão
E hum malhado cordeiro então me derão.

Pego nelle, e Themira procurando,
Themira, que mais bella do que a Aurora
Tinha estado tambem presenceando,
Aqui tens, gentilissima Pastora,
Lhe digo então, o premio, que pertence
A quem os corações domina, e vence.

O pejo lhe circula a rubea face,
Fica mais linda, fica mais galante:
Mas antes que o cordeiro me acceitasse,
Vai consultar o parternal semblante.
Pegou nelle, e , baixando os olhos bellos,
Me agradece com termos mui singellos.

(…)

…caminhos, festas, feiras e romarias distingue-se e prima pela arte no jogo do pau útil à sua defesa, do inimigo imprevisto. Todo o Barrosão sabia jogar uma ponta de pau. Antes das armas brancas usou-se o pau, que a G.N.R. partia e tirava nas festas e feiras da vila de colmo que era Montalegre.

 “Crenças e tradições de Barroso” António Lourenço Fontes -1992

A lei do pau

A lei do pau.

Notícias Magazine, 21 novembro 1993

É preciso ir à aldeia de Bucos para conhecer um tipo especialíssimo de jogo popular – o jogo do pau. Esgrima característica portuguesa de índole tradicional, que subsiste até aos dias de hoje, é pois, por assim dizer, a contribuição espontânea e original das terras e dos homens de Basto. Sobre eles pesa toda a ancestralidade do mote: Para cá do Marão, mandam os que cá estão!… A lei do pau: o caceteiro sem par… E como pode este jogo ser simples ou nítido ou folclórico ou pitoresto? Insólito, traz-nos ao conhecimento uma cultura e um património de usos e tradições milenares.

Cabeceiras de Basto – A aldeia de Bucos à cabeça –  reflecte, com raivosa persistência, o vigor combativo das suas gentes. Ela é bem a expressão dessa resistência, muitas vezes bem amarga, à decomposição da vida típica e originária. Enterrada entre penedias, guardada por tantos fantasmas, quem terá coragem da suspeitosa reserva face a toda esta paz aldeã?

A serra da Cabreira é perto e é inconfundível. Há pasto e ninguém lá vai, E a aldeia se despovoa. Mas o passado arcaico deixou ali tanto simbolismo perdido, tanta nostalgia, tanta alma penada, que até mesmo a sua autenticidade nos parece amargamente suspeita sempre. Mas exactamente por isso é que o povo, cansado de tantas coisas más, resolveu dar «corpo à própria ideia» de um colectivo – para comunicar-se e agir em comum. E vai de inventar a Associação Desportiva e Cultural de S. João Basptista de bucos, que continua primando pelo jogo do pau.

Seja como for, o certo é que, em Bucos, o jogo do pau, que ainda não está divulgado em escala massiva, assume uma importância de vulto. Permanece uma herética, gigantesca técnica de luta, em que a arma é um simples pau de lódão veguio, direito e liso, da altura aproximada de um homem. E aqui são meia dúzia de adeptos que não encheriam mais que um autocarro. (E dizemo-lo fundados apenas na experiência recente, nomeadamente na dos grupos afins da Guarda, Espinheiro ou Cepães, o de Bucos, inescapavelmente, nos reserva surpresas, ressaltos, novos aspectos de uma realidade dialéctica).

Há na cultura de Basto (onde, diz o povo, «Celorico celou; Mondim meou; Cabeceiras cabeça ficou») uma expressão singular de cultura arcaica em vias de perder-se. E o jogo do pau exibe um extraordinário poder de atracção. Isto nos habilita a dizer que ele não é uma efémera expansão da mocidade, que nele vegeta por um capricho ou fantasia juvenil, mas que dura só enquanto não se apaga o ardor viril dos moços. E a canalha miuda, principalmente, anda deslumbrada!

Mas que se há-de exigir dos praticantes? Braço forte, ritmo certo, pau de lódão adequado, assegura Manuel Urjais, da direcção da modesta Assiciação Desportiva e Cultural S. João Baptista. É que, da antiga arte dos jogadores do pau, nada ficou… umas fotos… umas imagens… umas gravações… um chuço… um chapéu, talvez.

É ele quem diz que hoje não se «varrem feiras» com sachos e a boa vontade não supre a falta de músculo. O praticante só necessita de um pau de lódão, de 1,50 m de comprimento aproximado, habitualmente cortado na lua de Janeiro, para além da tradicional roupa que enverga: a camisa de linho, colete, calça preta e lenço tabaqueiro afirma ele.

As invencíveis fúrias

Manuel Urjais recorda que os habitantes de Bucos e de Cavez eram considerados os mais bravos: varriam largos inteiros. Verdadeiramente, aqu, a violência latente entre comunidades vizinhas explodia em batalhas de varapaus que faziam varrer num ápice a multidão de um arraial, conforme bem nos relata Camilo. Em décadas mais recentes, foi o futebol a oportunidade para vários ajustes de contas entre comunidades vizinhas que se viam incapazes de um jogo entre si de outra forma que não fosse à pancadaria. E vão longe, muito longe já, esses radiosos tempos em que os montes baldios de Bucos, que iam até Montalegre, eram usados para os pastos. Hoje, na aldeia só há meia dúzia de rebanhos.

Mas este zelo está sempre desperto? O jogo do pau é mais do que uma moda, mais do que um mito, mais do que um ídolo de papelão. Ainda hoje é uma arte activamente mantida, conservada, apesar de alguns riscos rudimentares. Resultado: ligamentos rompidos, canelas com papos, cabeças rachadas, joelhos doridos e desgaste excessivo. É um jogo que não exige dos seus praticante nem muita habilidade nem dotes de um superatleta.

Aparentemente apoderou-se da juventude. Pela simples razão que existe em Bucos uma escola onde se ensinam, de maneira mais imperiosa, as técnicas principais do jogo, e inclusive, as técnicas reputadas de secundárias, ou até inúteis, que tomam uma importância fundamental.

Quem se desloca a Bucos, verifica que hoje, os filhos são jogadores do pau, os pais foram jogadores, os avós também. A ligação ligeira de alguns e a paixão sectarista de outros têm-lhos permitido ser uma colectividade privilegiada que proclama a sua afiliação em tradições ancestrais. A vasta audiência e o retumbante êxito nos últimos tempos das suas extraordinárias e audaciosas performances nas festas e romarias no-lo confirma.

Num curto período que vem de 1980 até hoje, o Grupo de Jogo do Pau de Bucos possui um estilo uniforme. Existe também um interdito, e compreende-se: as mulheres não têm voz na colectividade. Isto frito de um hábito que não deixou para trás o modelo patriarcal. De sua primeira fase à última, a colectividade domina as circunstâncias e sabe de antemão qual a sua cor, qual o seu ritmo. Tudo foi difícil, no principio.

A associação Desportiva e Cultural de S. João Baptista conta com duzentos adeptos e simpatizantes, certa repercussão internacional, algum desassossego e não tem descurado a formação, apostando nos últimos anos, na iniciação ao jogo do pau dos mais novos (a partir dos seis anos de idade). E a obra é fecunda. Resulta pois, que a colectividade tem sólidos alicerces a sustentá-la, faltando-lhe apenas uma sede. É este o objectivo que se segue.

Hoje, e á sua cabeça, coloca-se um homem daqueles que as aldeias, mesmo mais bem fadadas, só excepcionalmente e de longos em longos tempos, têm a sorte de produzir – Orides Golçalves de Oliveira. Ele é o coração da restauração do jogo do pau em Bucos. durante largos anos, cumpriu a tradição da família. Foi mestre dessa «arte», presidente da Junta de Freguesia e ocupou numerosos cargos na direcção da colectividade. Mas, mais do que tudo isto, um motivo há que o torna venerável no meio associativo: ele sabe todos os volteios rápidos, ataques e paradas vertiginosas e maneja o pau como se fosse parte do próprio corpo. hoje, assistido pelo seu filho Manuel Orides, continua dando «canseira» à garotada.

Para o presidente da Associação D. S. S. J. Bucos, o jogo do pau exige destreza e parceiros de alta resistência. É condição «sine qua non», nota Orides Oliveira, que o praticante não se revele desastrado e pouco hábil: «Pois é! Qualquer demonstração à toa, coisa que dura um quarto de horam leva horas a ser preparado», explica. «Há que repetir cada técnica uma porção de vezes. Vários ensaios, vários a valer, e vale tudo. Para os miúdos é um quebra-cabeças».

«A aprendizagem do jogo é difícil», diz ainda Orides de Oliveira. Por isso, o aluno nada mais faz do que ir interiorizando as técnicas, a mestria, se não de um modo livre pelo menos de um modo expresso. Antes de mais, uma coisa é certa: já não se pretende «varrer feiras», nem «ajustes de contas», mas sim dominar uma técnica, educar a mente e o corpo, desenvolver capacidades de decisão e rapidez de reflexos.

«antifamente – Explica Orides Oliveira – as questões e as questiúnculas surgidas (e formam um longo e doloroso rosário) assentavam em rivalidades de vizinhos e ambições de hegemonia, lutas de famílias e ressentimentos. Na verdade, as oposições e rivalidades entre as gentes de aldeias próximas eram norma, por razões mais ou menos graves, por vezes insignificantes: mulheres, águas, cães, etc., etc.»

Orides Oliveira é do número dos que pensa que «a dificuldade não é fazer melhor, é fazer bem» – e por isso fala sobre o que outros fazem, sabendo como é difícil fazer alguma coisa. Mas silenciosamente, enquanto os outros falam, ele trabalha…

Os mestres jogadores

A história do jogo do pau em Bucos, tão calada no seu segredo, é sobretudo carregada de recordações e imagens aprendidas. Decididamente uma escola poderosíssima. O presidente da Associação D. C. S. J. B. Bucos sabe só que «mestre» Calado, do vizinho concelho de Vieira do Minho, iniciou muitos jovens de Bucos no manejo do pau. E que Adelino Barroso continuou a tarefa já iniciada, transformando muitos rapazes em hábeis jogadores. Posteriormente, Ernesto dos Santos, que aprendera com o «mestre» Calado os alicerces da «escola» de bucos ensinando essa arte que poderá datar de séculos ou de milénios.

Pouco tempo depois levantar-se-ia, porém, uma nova geração de novas gentes. E, á sua cabeça, colocar-se-ia um mestre extraordinário: Domingos Calado (filho de «mestre» Calado). ele também ensinou, sempre obediente a um propósito de autenticidade, cobrando, então 10$00 por lição individual e 300$00 por 30 lições. Com a sua morte, o jogo do pau quase acabou «porque não houve mais ninguém que assumisse a direcção das aulas»,diz Orides Oliveira.

Todavia, hoje, o jogo do pau é, na sua essência, uma actividade recreativa em que, de acordo com as regras, nem se ganha nem se perde. É mais uma forma de canalizar o ócio. Para uns, é fonte de prazer diferente, para outros, pode chegar a transformar-se numa eficiente ginástica aeróbica. Aliás, jogar o pau queima muitas calorias: desenvolve os músculos e a resistência.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=04VdyhvIopg?feature=oembed&w=500&h=281]

O Jedi de Fafe!

“O meu sabre de luz é um pau… de marmeleiro”.
O Jedi de Fafe, na Mixórdia de temáticas de Ricardo Araújo Pereira.

“Como fã da guerra das estrelas, considero este o melhor texto sobre a guerra das estrelas“ – Nuno Markl

[vimeo 121874830 w=500 h=281]

Moinho e jogo do meio, pelo grupo de jogo do pau de Cepães.

Windmill, or hanging guard drill and surrounded on an open field drill.

É no meu ver uma das mais antigas formas de esgrima ainda vivas, o jogo do meio, é ainda praticado como treino de combate não coreografado nem tornado em dança ou desviado da sua função original, podemos ver autores portugueses a descreverem exercícios em tudo idênticos à mais de quatrocentos anos atrás, como este: http://jogodopau.tumblr.com/post/43481457974/cercado-numa-praca-campo-ou-rua – Frederico Martins.

O moinho, ao contrário do jogo livre, é uma sequencia repetida e predeterminada de ataques, em que são praticadas as transições entre defesa e contra ataque. Como neste exercício, já é conhecida pelos praticantes a sequencia de ataques, estes podem ser feitos com alguma segurança, aumentando a velocidade e praticando assim as transições.

EN:
Whe
“windmill” drill in jogo do pau is different to freeplay, in that it is a pre arranged looping sequence of parry and counter attacks. Because the sequence is known by the fencers, this exercise can be done with some safety, and the speed can this way be higher, to practice the transition from parry to counter attack.

Já na villa se fallava do «bando do Lobo», que infestava a deshoras as ruas de Guimarães, e alvoroçava os pacíficos habitantes com a cantoria de glosas chocarreiras.

image

Em contraposição a este bando organizou-se outro, capitaneado por um cutileiro de appellido Raposo.

Os bandos que promoviam arruidos foram durante séculos um «sport» predilecto da mocidade portugueza, a despeito das «Ordenações», que encarregavam ao corregedor da comarca a missão de averiguar se das «competências ou bandos se seguiam pelejas, revoltas, mortes ou outros males e damnos».

Mas a tolerância dos costumes e a própria organização do serviço dos quadrilheiros, que eram tirados d’entre os cidadãos, e não estavam para arriscar a pelle, nem perder as noites, faziam que continuasse impunemente a tradição dos bandos a despeito das «Ordenações.»

A lei, em Portugal, tem sido sempre lettra morta.

Houve por vezes conflicto entre os dois bandos, que a ronda dos quadrilheiros seria impotente, ainda quando o tentasse, para conter em respeito. Ficavam rachadas algumas cabeças, porque os varapaus de lódão, principal arma do minhoto, ensarilhavam alto com o fim de inutilizar a victima, procurando-Ihe o craneo.

O bando do Raposo era talvez mais esforçado que o do Lobo, mas não provava tanta petulância, nem tanta disciplina.

E a razão estava em que, no primeiro bando, todos se julgavam tão valentes como o chefe, ao passo que o Lobo, entre a sua gente, dispunha de superioridade que lhe provinha do talento poético, da odyssea amorosa pelo Porto e Lisboa, das suas fortunas e desastres com a aventureira de Cantão, e até da pobreza em que se encontrava, como todos os bohemios celebres.

Não era a vara de lódão a única arma contundente que o bando do Lobo sabia manejar. O seu chefe, improvisador temível, língua solta e maligna, possuía outra arma talvez mais perigosa para os adversários: era o verso, que chega ao interior dos conventos, dos palácios, das tabernas e alcouces, muito mais elástico, portanto, do que um varapau qualquer.

“O lobo da Mandragôa” Alberto Pimentel, 1904