O Bate Casacas

emA nota elegre dos tribunaes” – Alfredo Pinto, 1892:

Apresenta-se para depor como testemunha um homem de meia idade, alto, reforçado, tipo de lavrador, a quem o meirinho interpelou sob o nome de Bate casacas.

Juiz. — «Diga-me o seu nome. Da alcunha não quero saber.»

Ele. — «Mas quero eu, que a herdei de meu sogro e respeito-o muito.»

Juiz — com verdadeira curiosidade : — «Desejava bem que me explicasse a razão disso.»

Ele. — «E’ bem simples: meu sogro, que gozava no sitio boa fama como honrado e valente, disse-me à hora da morte : Rapaz, conserva a nome de guerra por que todos sempre me conheceram, que te hás de dar bem. — Ganhei-o na festa da Senhora Santana, onde eu, com o meu varapau, corri mais duma dúzia de casacas que contenderam com minha mulher, com aquela santa que já lá está na terra da verdade! Usa, pois, do nome, do cajado que ainda conservo, e… bate casacas sempre que for preciso.

«E aqui está, sr. juiz, porque eu conservo essa alcunha e estou sempre disposto a manter-la e respeitar-la.»

Juiz. — «E conte comigo para fazer justiça ao seu nobre procedimento, com tanto que nunca se exceda.»

 

Justiça na Senhora do Viso

O tempo da justiça na Senhora do Viso, decidida ao jogo do pau, no dia 8 de Setembro de cada ano!” *1

Nossa Senhora do Viso
-Festa da Senhora do Viso

A capela da Senhora do Viso está construída na demarcação das freguesias de Caçarilhe e Rêgo.

A sua localização é magnífica. Do seu recinto observam-se em todo o seu redor, belas paisagens de Celorico de basto e doutros concelhos.
(…)
Segundo a lenda que vem sendo contada, de geração em geração, a Senhora do Viso é responsável pelo nosso juízo.

Ouvi muitas vezes as pessoas idosas e a minha mãe dizerem: Deixa-te de toléria. Pede à Senhora do Viso que te dê juízo.

Foi sempre uma festa muito frequentada por gente de todas as idades, das freguesias de Celorico de Basto e dos concelhos vizinhos. Os romeiros vinham ali satisfazer variadas promessas. Dar a volta ao redor da capela de joelhos, novenas, que era dar nove voltas ao redor da capela.
(…)
Aparecia naquela festa o primeiro vinho doce. Era transportado para o recinto em pipas colocadas em carros de vacas, onde era vendido em tigelas e canecas.
(…)
A ordem era assegurada pela Guarda Nacional Republicana, que tinha grandes dificuldades em manter o recinto da festa sossegado.

A certa altura perdia mesmo o controle e limitava-se a proteger a capelinha de qualquer profanação ou estragos.

Naquela data era na festa da Senhora do Viso, que o povo de São Bartolomeu fazia os ajustes de contas, que se iam acumulando durante o ano. Roubo da namorada, tornas de água, negócios, falta de cumprimento da palavra, e outras pulhices.

No acto da infracção, o lesado lançava a ameaça. No Viso pagas.

Todos os homens e moços novos que iam à festa, iam munidos cada um com a sua racha. Pelo caminho para a festa, aqueles que iam já com intenções de saldar contas, por vezes cruzavam-se com os “devedores” e seguiam todos juntos na grande galhofa fingindo serem todos amigos.

No recinto iam gozando a festa e saboreando os petiscos acompanhados por uns bons cartilhos de vinho.

Depois de bem bebidos ao fim da tarde começavam as provocações. Os provocadores de tigela na mão cheia de vinho dirigiam-se aqueles que pretendiam aquecer o lombo e ofereciam-lhe o vinho. Como eles não aceitavam, os desordeiros esbarravam-lhe com a tigela cheia de vinho nas bentas. Outras vezes ao passar davam-lhe um empurrão.

As rachas começavam a trabalhar e o povo fugia para não ser atingido.

A guarda como não conseguia pôr termo à desordem sacudia-os para fora da festa.

Mas o jogo do pau continuava pelos caminhos abaixo, e quando algum tropeçava nas pedras, perdia o equilíbrio do jogo e era-lhe fatal, levava umas boas estadulhadas até ficar desacordado.

Encostavam-no a uma borda e ele ficava a ali a sonhar com coisas bonitas, até desacordar ou aparecer algum caminhante que o socorresse.

Porém, se o ferido não acordasse mais e ficasse a dormir eternamente, para o lembrar era colocada naquele sitio uma cruz ou umas alminhas.

Na Senhora do Viso, não dizia a letra com a careta, porque quando começavam a bater, malhavam sem dó nem piedade. Tinham pouco juízo.

Ambrósio Lopes Vaz
_________________
1 – Luís Castro Leal