Núpcias ao relento

Mais perto de mim (tão perto que estendo a mão e toco a sua lembrança carnal, a cara seca e a barba crescida, os olhos magros que em mim se repetiram) aquele avô guardador de porcos, de cujos pais nada se sabia, posto na roda da Misericórdia, homem toda a vida secreto, de mínimas falas, também delgado e alto como uma vara. Este homem teve contra si o rancor de toda uma aldeia, porque viera de fora, porque era filho das ervas, e, não obstante, dele se enamora minha avó materna, a rapariga mais bela do tempo. Por isso meu avó teve de passar a sua noite de núpcias sentado à porta da casa, ao relento, de pau ferrado sobre os joelhos, à espera dos rivais ciosos que tinham jurado apedrejar-lhe o telhado. Ninguém apareceu, afinal, e a lua viajou toda a noite pelo céu, enquanto minha avó, de olhos abertos, aguardava o seu marido. E foi já de madrugada clara que ambos se abraçaram um ao outro.


“A bagagem do viajante” – José Saramago (
1973)