A influencia do meio citadino vai desalojando por muitas aldeias os costumes. A facilidade de comunicações veio a integrar a corrupção no trajo hodierno.O varapau, a arma com que os enamorados se batiam pela sua bela, tende a desaparecer. Cede, por sua vez, o lugar à bengala tosca, grosseirona.
varapau
O Bate Casacas
em “A nota elegre dos tribunaes” – Alfredo Pinto, 1892:
Apresenta-se para depor como testemunha um homem de meia idade, alto, reforçado, tipo de lavrador, a quem o meirinho interpelou sob o nome de Bate casacas.
Juiz. — «Diga-me o seu nome. Da alcunha não quero saber.»
Ele. — «Mas quero eu, que a herdei de meu sogro e respeito-o muito.»
Juiz — com verdadeira curiosidade : — «Desejava bem que me explicasse a razão disso.»
Ele. — «E’ bem simples: meu sogro, que gozava no sitio boa fama como honrado e valente, disse-me à hora da morte : Rapaz, conserva a nome de guerra por que todos sempre me conheceram, que te hás de dar bem. — Ganhei-o na festa da Senhora Santana, onde eu, com o meu varapau, corri mais duma dúzia de casacas que contenderam com minha mulher, com aquela santa que já lá está na terra da verdade! Usa, pois, do nome, do cajado que ainda conservo, e… bate casacas sempre que for preciso.
«E aqui está, sr. juiz, porque eu conservo essa alcunha e estou sempre disposto a manter-la e respeitar-la.»
Juiz. — «E conte comigo para fazer justiça ao seu nobre procedimento, com tanto que nunca se exceda.»
O Varapau – Xanquim Lorenzo Fernandez 1959
O Autor cita Eça de Queiroz que fala no jogo do pau, e refere o seu uso em alguns pontos da Galiza. Descreve as principais características e serventia do varapau — flexibilidade e leveza, apoio de caminhantes, pastores, etc., e ainda arma de luta —. É precisamente este aspecto que o Autor salienta, descrevendo os preliminares do desafio e diferentes fases do jogo ou luta, posição dos jogadores, etc. O jogo do pau serve fins ora desportivos, ora de agressão. Relato vivo de uma luta entre dois portugueses que, «costas com costas», conseguiram pôr em debandada um grande número de feirantes, em Porqueiró (Galiza); de lutas contra lobos; etc. Qualidades essenciais ao bom jogador: agilidade, boa vista, reflexos rápidos, resistência física e serenidade e domínio de nervos. Notando o pouco uso do jogo do pau na Galiza conclui por uma origem portuguesa, introduzido via Vale do Lima.
- Nota referente ao artigo em: “Bibliografia Analítica de Etnografia Portuguesa.” Benjamim Pereira, 1965.
O Varapau
por Xanquin Lorenzo Fernandez, de Orense, Espanha
Em “O Comércio do Porto” 13 de Outubro de 1959
No romance de Eça de Queirós, “O crime do Padre Amaro”, encontrei uma frase que me fez lembrar algo já desaparecido nas terras do Sul da provincia de Orense, nas zonas limítrofes das Serras de Laboreiro e do Gerês. Diz esta frase: «Os homens do campo com os seus varapaus passavam para os dourados do sacrário ». Estes varapaus, outrora arma de ajuda, e hoje já esquecidos, usaram-se também nestas terras, e destes quero falar aqui. O varapau é um pau direito, de dois metros de comprimentos, limpo de ramos e de casaca. Um bom varapau, de acordo com a regra clássica que preside à sua escolha, quer-se mais alto do que quem o vai usar, e que «junte pé com ponta». A hipérbole assinala a necessidade de ter muita elasticidade, visto que quanto mais flexível ele for, mais jeitoso é o seu manejo. O varapau melhor e mais procurado é o de madeira de lodo ou lodeiro, bem direito, da mesma grossura em todo o seu comprimento, totalmente seco e com a sua superfície polida, para o que é primeiro raspada com a folha de uma faca ou de uma navalha, e em seguida com um pedaço de madeira dura. No cabo, a sua grossura deverá ser tal que se possa pegar jeitosamente com a mão, e o seu peso pequeno.
Este varapau era o companheiro dos moços rondadores, dos viandentes ao longo dos caminhos, dos pastores no cume das serras… O seu oficio era multíplice: no caminho, era uma ajuda, ora a subir as encostas, ora a desce-las, descansando-se nele o peso do corpo; quando um regato cortava a vereda, saltava-se por cima dele apoiando-se no varapau; o pastor no monte e o feirante na feira carregavam nele o seu gado, e quando era preciso afugentar o lobo , tanto em defesa própria como na do gado que lhe estava confiado.
Mas o varapau não era somente um apoio, sendo também uma arma para luta, e deu lugar a uma interessante forma de esgrima, que por aqui em Portugal era conhecida pelo nome de «jogo do pau», Esta luta tinha a sua técnica e as suas regras, que eram sempre cuidadosamente observadas.
Cumpre esclarecer que se podia «jogar o pau» com fins somente desportivos, mas que não eram poucas as vezes em que isso se fazia para agredir a outros ou para se defender deles.
Para se «jogar o pau», começavam-se pelo desafio: quando uma pessoa queria lutar com outra, fazia com o seu varapau um risco no chão: era o que se chamava «poñel-o risco», nome que se ampliou, equivalendo a valentia; por isso, diz a cantiga:
Santa Baía, vaia vaia,
E Meás é vaselisco;
Os mociños de Facõs
Son os que «poñem o risco».
O aceite do desafio por parte do rival consistia em pisar o risco: começava então a luta.
Para se «jogar o pau», punham-se os lutadores frente a frente, com os respectivos varapaus seguros com as duas mãos pelo cabo, de tal jeito que a vara ficava em posição horizontal, dirigira para a direita do lutador. O jogo consistia em bater no adversário com o pau, e defender-se a tempo dos seus golpes. Quando a luta não era a valer, apenas se fazia como se fosse bater com o pau, mas sem descarregar o golpe, e a habilidade era o que conferia a vitória, embora geralmente se rematasse pelo cansaço de algum dos contendentes.
Contudo, o «jogo do pau» não tinha sempre este carácter desportivo. A luta era por vezes a sério, e rematava com a cabeça aberta de algum dos lutadores.
O «jogo do pau» requer uma série de condições, tanto por parte do jogador como pela do varapau; as deste já foram ditas: elasticidade e pouco peso são as principais. O lutador, pelo seu lado deve ser ágil, ter boa vista, reflexos instantâneos, e uma grande resistência física, assim como um bom domínio dos seus nervos, para se não deixar arrebatar, conservando-se sereno todo o tempo que seja preciso.
Nunca os homens destas terras foram amigos de armas de fogo nem de armas brancas, mas em troca usaram abundantemente os varapaus ou os seus cajados e mocas, mais modestos para derimir as suas divergências. Usaram-se, na verdade, a cardefia e a bisarma, mas tanto uma como a outra são mais ferramentas de trabalho, e somente de jeito ocasional se têm empregado como armas.
Em geral, a arma por excelência era o varapau; o rapaz tinha-se já por moço quando arranjava o seu varapau e ia de ronda com os outros: era uma coisa assim como ser armado cavaleiro. O varapau era o companheiro de todos os momentos, e por isso as romarias, as festas, e por vezes as feiras, rematavam sempre com pancadaria, em lutas entre moços de freguesias diferentes. Detalhe interessante: o varapau somente se largava da mão enquanto o moço estava com a moça na lareira da casa dela; então o pau ficava à porta, para indicar aos outros moços que nada tinham que fazer ali. A este costume responde a cantiga tão conhecida:
A tua porta, miniña,
Hai unha vara delgada;
Se non foras tan bonita,
Non eras tan deseada.
Quando em algum sítio se juntavam gentes de várias freguesias, era quase sempre certo que o ajuntamento se desfaria de jeito violento, pois não é sem vão que nesta terra se tem um tão forte sentido da freguesia. O galego não é de uma aldeia, nem de um concelho, nem de uma província: é de uma freguesia, e a quem não é dela, olha-se quase como a um inimigo. Esta rivalidade paroquial punha-se de manifesto nos aludidos ajuntamentos onde o varapau derimia as divergências.
Outas vezes, eram os moços de uma freguesia contra os que vinham rondar as suas moças, ou o desejo de se vingarem de alguma outra peleja ou qualquer motivo semelhante, que os bons «jogadores de pau» apriveitavam para mostrarem as suas habilidades.
A coisa começava aos berros de: – «Eu, carballeira! A quen me die un pau, doulle un peso!!». Em geral, a luta iniciava-se enfrentando-se por parelhas, mas em pouco tempo cada qual dava onde lhe calhava, e a peleja perdia toda a organização. Por vezes, ela reduzia-se à luta dos respectivos campeões, enquanto que os respectivos bandos os acirravam para os encorajarem.
O varapau era sem dúvida uma arma eficaz. Bem jogado, punha nas mãos do seu dono grandes vantagens na luta. Afirmam-no bem alguns casos, que deixaram memória entre as gentes destas terras. Eis aqui um sucesso já de fins do século passado, mas que ouvi narrar não há ainda muitos anos: Passou-se a coisa na feira de Porqueirós, feira de ano, em que se juntavam feirantes de toda a comarca e de fora dela. Os das diferentes freguesias iam com o seu gado e com os seus frutos, fazendo-se uma das melhores feiras da Galiza daquele tempo. Uma vez, ignora-se porquê, começou uma rixa entre os feirantes, e dois portugueses que, vizinhos moradores naquelas terras havia já tempos, acudiram a Porqueirós. A rixa assanhou-se, e chegou como sempre, a hora dos paus. Um dos portugueses, ao ver o perigo, berrou ao seu companheiro: – «Ó irmão! Junta costa com costa!!» – Postos deste jeito, cada um com o seu varapau, defenderam-se os dois sozinhos dos que os atacavam. A luta, a julgar pela lembrança que deixou, deve ter sido épica. Durante muito tempo, mantiveram-se firmes, a despeito dos muitos atacantes; pouco a pouco, foram-se desfazendo dos adversários; uns, feridos, e outros acobardados, o triunfo quedou-lhes a eles, que, sozinhos, «desfizeram a feira». Tal era a superioridade que lhes dava a sua perícia em «jogar o pau»!
E também se conta de um moço de San Xés, que, de regresso da ronda, foi atacado pelos lobos, e, de costas contra um carvalho, defendeu-se toda a noite com um varapau, até que ao romper do dia a luz afugentou os lobos. E daquele moço de Grou, a quem os de Gaias conseguiram encontrar sozinho num caminho, e soube tão bem jogar o pau, que deu conta de todos. E muitos casos mais, que as gentes lembram, de feitos semelhantes, levados a bom fim com a ajuda do varapau.
No resto da Galiza desconheço tal arma. E assim, parece-me evidente que se trata de um instrumentos de origem portuguesa: o facto do seu emprego presente nas terras raianas, e não no resto da Galiza; o de ele se encontrar, pelo contrário, de uso muito corrente em Portugal; a nacionalidade dos seus mais famosos cultivadores – tenha-se em conta que o caso relatado de Porqueirós é um entre muitos – , bastam para nos mostrar.
E aqui vai um facto curioso: o varapau penetra na Galiza seguindo um velho caminho, o caminho que seguiram, num ou no outro sentido, muitos factos culturais que desde sempre estão em processo de intercâmbio entre Portugal e a Galiza, desde a cerâmica da Penha até ao varapau: o vale do rio Lima, esse rio que, nascido na Galiza, vai morrer em Portugal.
A eficácia dos velhos caminhos históricos continua ainda hoje tão viva como nos tempos que assinalam o começo das nossas respectivas culturas.
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É na minha opinião o melhor livro de jogo do pau de sempre, e uma analise profunda da tática da nossa arte, aplicável de uma forma generalizável a várias armas e contextos.
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About the book:
The goal of this book is to simplify the training of all fencing (weapon) arts, tackling both the subject of contents (What to teach) and pedagogy (How to teach).
This is sought by sharing concepts, games & drills that easily teach how to choose one’s counter according to:
1. Number of opponents
2. Traits of weapons:
a) Bladed /blunt
b) With and without hand guard
c) Single or double handed
3. Having greater, lesser or the same reach
4. Type of parry performed
5. Quality of footwork
About the Author –A brief presentation of Coach Luis Preto:
- Instructor of stick combat (Jogo do Pau), Karate & Wrestling
- Undergrad in physical education
- Two masters in sport sciences
a) Sport teaching strategies (ULHT/Lisbon)
b) Coaching (UBC/Vancouver) - Certified by the International Sport Sciences Association as a:
a) Fitness trainer
b) Youth training specialist
c) Endurance training specialist
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Era uma noite serena, mas triste e melancólica. A lua, a pálida rainha das sombras, só de vez em quando deixava ver a sua face prateada, espreitando pelas fisgas das nuvens que rolavam pelo firmamento além. Por toda a parte reinava um silencio profundo, verdadeiramente sepulcral, entrecortado apenas pelo latir dos cães no povoado e pelo grito agudo da coruja, esvoaçando á roda do campanário, atraida á lambuge do azeite das lâmpadas que bruchuleavam lá dentro em frente dos altares.
Pelas estreitas e sinuosas ruas da Feira caminhavam a essa hora apressados para casa alguns retardatários, abordoados a fortes varapaus e de revolver em punho para se defenderem dalgum mau encontro!
“A autonomia de Espinho e os protestos da villa da Feira” – 1900
Canavial de varapaus
De uma ocasião, estando na Nazaré, fui ao teatro: um bonito teatrinho, de duas ordens, de camarotes, plateia, e galeria para o povo. Estava a sala cheia; era pelo tempo das festas; cada espectador tinha um varapau enorme, a que se encostava, varapau que o não desamparava nunca, que ele de manhã, na igreja, encostara à parede: nalguma sala, onde fora, colocara atrás da porta, com o boné em cima: e no teatro guardara consigo, conservando-o na mão, por forma que, quando subiu o pano viam-se mais os varapaus do que os espectadores, e os atores pareciam estar representando … a um canavial;
“Apontamentos de um folhetinista”, Júlio César Machado – 1878
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Luis Preto- Analysing the exclusive use of multiple strike combinations in staff fencing.
Luis Preto a analisar as combinações de ataques no jogo do pau.
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Por centenas ou até milhares de anos, o varapau serviu de defesa contra o lobo, mas hoje em dia, os papeis inverteram-se e o lobo precisa de ajuda.
É importante preservar-mos as nossas tradições, mas mais ainda a nossa fauna, que essa é provavelmente, ainda mais difícil de recuperar.
Logo nas mãos o pastor
Seu cajado tomara,
Sem mostrar nenhum temor
Contra os lobos que achará
Revestidos de rigor.
-“Trovas ineditas de Bandarra“ – 1556
Mais d’huma vez já tem sacado o agno
Ao Lobo tragador! mais de vez huma
Na luta entre os Zagaes de mór idade
Tem feito respeitar o seu Cajado,
Em que sabe fazer todo o manejo
D’arma, como faze-lo nunca eu soube!..
-“Silveira“ – Thomaz Antonio dos Santos e Silva -1809
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-O varapau repousado.
-The resting staff.
Feiras e Mercados. – Varapaus
Já na villa se fallava do «bando do Lobo», que infestava a deshoras as ruas de Guimarães, e alvoroçava os pacíficos habitantes com a cantoria de glosas chocarreiras.
Em contraposição a este bando organizou-se outro, capitaneado por um cutileiro de appellido Raposo.
Os bandos que promoviam arruidos foram durante séculos um «sport» predilecto da mocidade portugueza, a despeito das «Ordenações», que encarregavam ao corregedor da comarca a missão de averiguar se das «competências ou bandos se seguiam pelejas, revoltas, mortes ou outros males e damnos».
Mas a tolerância dos costumes e a própria organização do serviço dos quadrilheiros, que eram tirados d’entre os cidadãos, e não estavam para arriscar a pelle, nem perder as noites, faziam que continuasse impunemente a tradição dos bandos a despeito das «Ordenações.»
A lei, em Portugal, tem sido sempre lettra morta.
Houve por vezes conflicto entre os dois bandos, que a ronda dos quadrilheiros seria impotente, ainda quando o tentasse, para conter em respeito. Ficavam rachadas algumas cabeças, porque os varapaus de lódão, principal arma do minhoto, ensarilhavam alto com o fim de inutilizar a victima, procurando-Ihe o craneo.
O bando do Raposo era talvez mais esforçado que o do Lobo, mas não provava tanta petulância, nem tanta disciplina.
E a razão estava em que, no primeiro bando, todos se julgavam tão valentes como o chefe, ao passo que o Lobo, entre a sua gente, dispunha de superioridade que lhe provinha do talento poético, da odyssea amorosa pelo Porto e Lisboa, das suas fortunas e desastres com a aventureira de Cantão, e até da pobreza em que se encontrava, como todos os bohemios celebres.
Não era a vara de lódão a única arma contundente que o bando do Lobo sabia manejar. O seu chefe, improvisador temível, língua solta e maligna, possuía outra arma talvez mais perigosa para os adversários: era o verso, que chega ao interior dos conventos, dos palácios, das tabernas e alcouces, muito mais elástico, portanto, do que um varapau qualquer.
“O lobo da Mandragôa” Alberto Pimentel, 1904
O amor, nas provincias septentrionaes, é um elemento obrigado de animação e de vida nos arraiaes populares. Abundam, como aqui se diz, os «conversados» ou, como nós dizemos no sul, os «namorados.» Cada rapaz, apoiado ao seu varapau, «conversa» com a namorada durante longas horas, umas vezes em verso, outras em prosa, quando nào é, alternadamente, em prosa e verso. E esse varapau representa uma espécie de estacada para conter em respeito os espectadores. Ai d’aquelle que se atrever a aproximar-se dos dois namorados e a intrometter-se no seu dialogo. Se o fizer, apanha immediatamente uma sova ;
é quasi sempre esta a causa das maiores desordens nas romarias do norte.
“Sem passar a fronteira” Alberto Pimentel (1902)